Por André Spigariol
Antonio Hermann é um dos dirigentes mais importantes do automobilismo brasileiro nos dias atuais: presidente da SRO Latin America – promotora oficial do GT Brasil – e tricampeão brasileiro de Gran Turismo como dono e chefe de sua equipe AH Competições, que agora mudou de figura. Apresentado à imprensa na última terça-feira (10), o time ganhou novo nome e passa a ser apoiado oficialmente pela BMW, uma iniciativa inédita no esporte nacional, que fez surgir o BMW Team Brasil.
A escalação de pilotos para o campeonato também promete. Para competir na GT3, o time traz duas duplas com nomes cheios de importância e conquistas: Cacá Bueno, Valdeno Brito, Constantino Júnior e Cláudio Dahruj. Na GT4, Matheus Stumpf – bicampeão da GT3 – será acompanhado por Patrick Gonçalves e os jovens William Starostik e Leonardo Cordeiro.
Aproveitando que o Brasileiro de GT começa na semana que vem, a F1Mania.net realizou uma entrevista com Hermann neste sábado (14), no Kartódromo de Aldeia da Serra (Barueri/SP), onde era realizada a prova da Copa SP Light de Kart. Em quase meia hora de conversa, couberam vários assuntos, desde a equipe BMW até a Top Series, passando por automobilismo internacional, jovens talentos, acordos de patrocínio e novidades no grid do GT Brasil.
André Spigariol: A equipe começa a temporada como tricampeã do GT Brasil e conta com os campeões da GT3 de 2010 e 11, o campeão da Stock Car 2011 e o campeão da Porsche Cup. Os carros são mais que elogiados pelo mundo. Você, como organizador da competição e chefe da equipe, enxerga algum rival que seja páreo para essa seleção?
Antonio Hermann: Não tem nada disso, temos vários rivais! De fato, a gente está montando uma equipe forte, mas existem várias outras equipes muito fortes que estarão disputando o campeonato. Em corrida de automóvel, só vamos saber o resultado lá na pista. Por enquanto, na teoria, temos um carro bom; treinamos com ele em Curitiba e ele se comportou muito bem. Mas cada pista e cada corrida são um novo desafio e vamos ver o que vai acontecer.
AS: A BMW Z4 GT3 já tem algum tempo de corridas fora do Brasil. Nesse ano, ela está no Mundial de GT1 da FIA pela equipe Vita4One – campeã em 2010 -, no GT3 Europeu da FIA e também no campeonato inglês de GT, onde estreou com vitória na temporada 2012 pela equipe Ecurie Ecosse, também com o apoio oficial da fábrica. Quais foram as impressões iniciais dos pilotos e dos técnicos sobre o carro? Quais são as características dele na pista?
AH: O GT3 é um carro extremamente bom de dirigir, ele tem um “chão” [aderência] excepcional. Ele também é um carro muito sofisticado do ponto de vista da eletrônica: tem controles de tração, de estabilidade, ABS… O volante do carro é um volante de Fórmula 1! Tem vários recursos para ajustar e melhorar o desempenho.
Mas ele não tem um motor tão potente, pela própria característica do carro em si. Tem uma dirigibilidade espetacular e menos potência que os outros carros [do campeonato]. Então é um misto de qualidades que a gente precisa saber balancear bem.
Acho que em Santa Cruz do Sul, ele não será o melhor carro [em ritmo de classificação], por causa das longas retas e dos trechos de alta. Mas acho que ele vai ser um carro muito forte na segunda metade da corrida, porque ele consome muito pouco pneu, por conta dos recursos eletrônicos. Então acreditamos que, mesmo que não sejamos muito rápidos na classificação, devemos ser muito rápidos nessa segunda metade da prova.
AS: E esses recursos eletrônicos não atrapalham o desempenho do carro?
AH: Olha, foi muito engraçado no primeiro treino. Os rapazes, o Cacá e o Valdeno, reclamaram muito que eles eram mais rápidos que o recurso eletrônico do carro permitia. E a gente teve que trabalhar muito isso com os engenheiros da BMW que vieram da Alemanha para fazer eles se adaptarem à característica do carro, então aos poucos eles foram aprendendo a explorar esses recursos. Ao final eles viram que a capacidade deles, que é excepcional – são os dois melhores pilotos do Brasil hoje -, combinada com a tecnologia, dava muito certo. Então aos poucos eles começaram a usufruir disso e desenvolveram suas maneiras de guiar com o recurso eletrônico proporcionado pelo carro.
AS: Hoje, no GT Brasil, a maioria das equipes somente compra os carros das montadoras e das preparadoras. Faz diferença ser uma equipe oficial, com apoio direto da fábrica?
AH: Faz diferença. Talvez esse seja o nosso maior trunfo. Estamos recebendo um apoio muito grande da BMW Motorsport da Alemanha e da BMW do Brasil também. É um intercâmbio diário.
Nós temos um grande feedback, porque a BMW está apoiando cinco equipes no mundo inteiro e temos uma troca de informações direta com essas equipes. Certamente isso vai fazer diferença ao longo da temporada, porque temos muitos recursos de pesquisas e de tecnologia para explorar.
É a primeira iniciativa de uma equipe oficial e espero, não só como chefe de equipe mas também como promotor da categoria, que a equipe BMW oficial sirva de inspiração para as outras marcas para que elas tenham também suas equipes. O presidente da BMW do Brasil convidou as outras fábricas, a Audi, a Mercedes, a Ferrari, para participar, que montem as suas equipes também para virem brigar conosco. Ele fez esse chamamento em público e espera que aceitem esse desafio.
AS: No ano passado vocês tiveram apoio da Ford?
AH: A gente teve um grande apoio da Ford Racing. Não tivemos nenhum apoio da Ford do Brasil, mas tivemos um bom suporte da Ford Racing dos Estados Unidos e da Roush, que preparava os nossos motores. Vencemos o campeonato do ano passado por causa desse apoio que eles nos deram, temos muito a agradecer.
O Ford GT continua sendo um grande carro, dois dos nossos carros [do ano passado] estão participando do campeonato do mundo, com uma equipe espanhola – a Sunred. Nós alugamos os carros para eles e eles continuam o desenvolvimento deles.
AS: Antes da chegada da BMW, a equipe já era a principal do GT Brasil. Como que surgiu essa conversa com a BMW Motorsport e depois, como que o acordo foi fechado?
AH: Tivemos conversas com outras fábricas antes do fim do ano. Eram várias opções de carros que poderíamos usar. Acertamos com a BMW pelo entusiasmo e pelo entendimento rápido que o presidente da BMW do Brasil, Henning Dornbusch, teve do projeto. Ele aprovou imediatamente, incorporou imediatamente.
E é claro que os resultados que a gente teve ao longo desses últimos anos foi um dos fatores que levou a BMW a apostar na nossa equipe. Quando eu estive na sede da BMW Motorsport na Alemanha, no final do ano, eles conheciam toda a nossa trajetória. Eles sabiam quem eu era, os resultados da nossa equipe, os pilotos… já tinham feito uma pesquisa. Eu diria que fomos até, de certa forma, escolhidos para essa iniciativa aqui no Brasil.
AS: Voltando a falar um pouco dos carros, e quanto à M3 que será usada na GT4?
AH: A M3 é um carro bastante sofisticado, mas é um carro que é muito derivado do modelo de rua. É muito semelhante ao carro que é vendido na loja. Ele guarda essa característica de ser muito bom de dirigir.
Lá em Curitiba eu dirigi os quatro carros, antes dos meninos andarem, eu fui o primeiro a andar. A M3 é fantástica. Claro, tem quase 300 cavalos a menos que o GT3, mas o Leonardo Cordeiro e o William Starostik, que não estavam acostumados, vinham de outras categorias, ficaram muito impressionados. O carro é muito bom, tem muito freio. O Leonardo disse que estava freando no mesmo ponto em que ele freava com o Fórmula 3.
Foi também o carro que ganhou o Europeu de GT4 no ano passado, então devemos ter uma máquina boa. Mas também na GT4 há muitos concorrentes fortes, então precisamos trabalhar bastante.
AS: Agora, vamos falar de pilotos. O Matheus Stumpf já é uma realidade do automobilismo brasileiro. Um jovem talento que ganhou destaque nacional – é um dos melhores do Brasil – nos seus carros e agora já vai dividir a temporada 2012 com corridas na Europa.
AH: O Matheus é um orgulho para nós, é o nosso enfant gâté, menino mimado (risos). Ele já vinha participando da GT3 com o Dodge Viper, fazendo boas corridas, e ninguém talvez tinha percebido o talento que estava ali. Eu sabia, o pai dele sabia, ele sabia (risos) e quando o convidamos para vir correr conosco, ele mostrou sua capacidade. Você tem razão, acho que é o maior talento que apareceu em turismo nos últimos anos. É impressionante a velocidade e a consistência dele. Ele erra muito pouco, dá informações precisas para os engenheiros e é muito calmo, nunca o vi perder a calma. É um grande talento e vai dar muito o que falar, tem 22 anos e uma história grande por aí.
AS: Nesse ano, você coloca mais dois jovens talentos na equipe, o Ricardo Landucci – piloto reserva – e o Leonardo Cordeiro. Como que funciona esse programa de desenvolvimento da equipe?
AH: É o seguinte: eu tenho mais de 40 anos no automobilismo. Comecei a correr de kart com doze anos, e apesar de ter tido que parar de correr em um momento da minha vida profissional, nunca deixei de acompanhar o esporte. Depois me envolvi mais seriamente com automobilismo internacional. Então é uma experiência grande. O Washington Bezerra, que é meu parceiro, tem 54 anos de automobilismo. Costumo dizer que eu nem preciso ver telemetria nenhuma, só de escutar eu já sei se o piloto é bom, se é ruim, se errou, se acertou. Hoje estamos aqui no kartódromo, vendo vários moleques que vão ser as estrelas de amanhã, e essa experiência nos permite identificar aqueles que são os certos ou não.
No programa da BMW, a ideia foi exatamente essa. Montar uma equipe com os melhores pilotos do Brasil na GT3 e montar uma equipe jovem na GT4 que vai ser a próxima geração, correndo não só para a gente, mas para a categoria. Revelamos muita gente: Ricardo Maurício, Thiago Camilo, Miguel Paludo… O Paludo ninguém sabia quem era, fui lá buscar, começou a ganhar corrida e hoje está lá na NASCAR. Tanta gente que passou por mim… Estou certamente me esquecendo de vários, mas temos feito esse programa de trazer bons pilotos para a categoria. Esses meninos que estão aí – o William Starostik, o Leonardo Cordeiro, o Matheus Stumpf – são a próxima geração. Esses vão ser o Cacá Bueno e o Valdeno Brito de amanhã.
AS: Além de revelar para o Brasil, você estão colocando pilotos lá fora. O Matheus, por exemplo, vai correr no Brasil e na Europa.
AH: O Matheus vai e provavelmente teremos mais novidades ao longo desse ano talvez e certamente no ano que vem, com pilotos brasileiros participando de equipes oficiais no exterior.
AS: Você acha que o Brasil pode ser um celeiro de pilotos não só para quem vai andar de monopostos na Europa, mas também nos carros de turismo?
AH: Já temos o Augusto Farfus andando na BMW lá no DTM, ele tem participado do programa de intercâmbio com a nossa equipe. Tem o Jaime Melo que é um piloto excepcional, que hoje anda com a Ferrari 458 na Le Mans, um talento enorme. Tem o Oswaldo Negri, o Thomas Erdos… Temos um monte de gente! O piloto brasileiro continua sendo respeitado, apesar de hoje na Fórmula 1 não estarmos num momento tão bom.
Acho que no DTM o Augusto vai fazer um bom campeonato em 2012 e no ano que vem podemos ter mais brasileiros, ou no DTM ou no Mundial [de GT1].
AS: Vindos do BMW Team Brasil?
AH: Provavelmente.
AS: Você apostaria em quem? Matheus, quem sabe?
AH: O Matheus é um candidato, o Valdeno e o Cacá também. Todos eles têm condições de competir nesses campeonatos, porque o nosso Brasileiro de GT é um campeonato muito forte e qualquer um dos meninos que forem para a Europa correr vão encontrar o mesmo nível de competição que encontram aqui.
AS: Você estava falando de Le Mans agora há pouco e você é um grande fã de endurance, grande promotor de endurance. E o Campeonato Brasileiro de Endurance está nascendo novamente esse ano com a Top Series. Como você vê essa iniciativa?
AH: Minha carreira internacional foi no endurance: participei seis vezes das 24h de Le Mans, corri em Spa, Nürburgring, Sebring… Todas as grandes corridas do mundo. Acho que o endurance é uma coisa muito bacana, é a essência do automobilismo, mas é uma modalidade de corrida muito cara para os dias de hoje. Para fazer uma corrida de endurance hoje você tem um gasto de quatro vezes mais do que para fazer uma prova de tiro curto. É uma modalidade que se sustenta por conta dos grandes eventos.
Esse formato do Brasil eu não reconheço como uma categoria séria pra começar. É um campeonato que é um híbrido de alguma coisa que ninguém sabe o que é. É o “Samba do Crioulo Doido”, em minha opinião. Não sabemos o que vai acontecer, vamos ver no que vai dar.
AS: Os carros da BMW servem no regulamento da Top Series. Tem alguma chance de vocês correrem lá?
AH: Não. Primeiro que são carros que vieram, por contrato, para correr no Brasileiro de GT. A SRO não está proibindo nenhuma participação, mas é importante que as pessoas saibam que os nossos carros não estão aqui para correr em outro campeonato que não seja o Brasileiro de GT.
Nós podemos analisar a participação em qualquer categoria, desde que seja séria e que tenha um regulamento coerente, o que não é o caso da Top Series. Então nem cogitamos participar, porque não vamos por o nome da BMW numa brincadeira dessa.
AS: Então, voltando a falar do GT. Vocês têm quantos carros confirmados?
AH: Temos hoje 23 carros confirmados no grid para Santa Cruz do Sul e poderemos ter mais alguns. As equipes tiveram alguns problemas de atrasos com a importação, mas estamos começando o campeonato com um grid importante. Para efeito de comparação, o Mundial de GT1 começou a temporada com 16 carros, também com problemas de atraso.
Estamos começando o ano com um evento muito robusto, muito importante, com o GT, o Mercedes-Benz Grand Challenge, a Superbike e Brasileiro de Spyder Race na programação do fim de semana.
AS: E no começo do ano vocês chegaram a negociar com o Sportv para transmitir as etapas.
AH: O pacote de televisão para esse ano é maior que o do ano passado. Vamos ter todas as provas de domingo da GT no Sportv e na RedeTV! ao vivo em HD. No ESPN e na RedeTV! vamos transmitir também o Mercedes-Benz Grand Challenge. Esses apoios que estamos recebendo mostra a importância que a categoria ganhou, então estão muito contentes.
A Rede Globo está olhando com carinho para o nosso campeonato, fizeram matérias nos treinos de Curitiba e na apresentação da equipe. É uma categoria que tem 14 tipos de carros diferentes, essa entrada de novas fábricas deve ter acendido uma luz lá.
AS: As marcas confirmadas quais são?
AH: Vamos lembrar: Aston Martin, Dodge, [Chevrolet] Corvette, BMW, Porsche, Ford, Ferrari, Lamborghini, Lotus…
AS: Lotus?!
AH: Sim, o Lotus Evora na GT4. Um carro maravilhoso que vai andar com o Valter Pinheiro e o Leo Burti.
Estou esquecendo de algumas marcas… tem também Mercedes e Audi. Que estão já no Brasil são onze marcas.
AS: No ano passado, eu conversei com o Walter Derani na última etapa do GT Brasil, quando ele ainda era o presidente da SRO. Na época, eu tinha noticiado em primeira mão a saída da Itaipava e a chegada do Banco BVA no posto de patrocinador principal. E ele confirmou a história. Só que não teve nenhum anúncio oficial. O que aconteceu com as negociações do GT com o BVA?
AH: Foi uma opção do Banco, de patrocinar ou não. Acabamos não chegando a um acordo e eles vão participar do campeonato com a equipe deles, a BVA Racing. Mas no evento o patrocinador máster vai ser outro, mas também é grande.