O que faz um carro ser campeão de Fórmula 1? Segundo os especialistas, não existe uma resposta única para esta questão: para eles, apenas um conjunto próximo da perfeição pode dominar uma temporada do Campeonato Mundial. Mas a verdade é que o conjunto que compõe qualquer veículo possui várias partes, algumas eficientes, outras menos.
No caso do Renault R25 – veículo que conquistou os títulos de pilotos e de construtores da F1 –, os engenheiros chegaram a soluções e resultados impressionantes, tanto que desbancaram os grandes nomes da categoria em uma temporada fulminante: os pilotos da equipe Renault F1 Team lideraram a tabela de pontuação da primeira à última corrida do campeonato.
E quem melhor para revelar os segredos desta obra-prima da engenharia senão seu próprio criador, o britânico Bob Bell? A seguir, mostramos parte da carreira do diretor-técnico da equipe Renault, que revela as virtudes que levaram sua principal criação a dois títulos mundiais na mesma temporada.
A mesa é arrumada e impecável. As paredes têm calendários que mostram as datas de montagem de carros e também os próximos prazos a serem cumpridos. Com vista para o túnel de vento da Renault F1 Team em Enstone, na Inglaterra, este escritório bem iluminado emana eficiência. “Eu assumi o cargo de diretor-técnico da equipe em meados de 2004, após uma oferta de Flavio Briattore”, diz Bob Bell. “Não tive tempo para pensar no assunto e aceitei imediatamente!”
Bob Bell teve seu primeiro contato com o mundo da Fórmula 1 na chamada ‘Era Turbo’, dos motores turboalimentados, nos anos 1980: “Foi a Renault que me chamou a atenção para este esporte”, lembra ele. “Ela tinha um motor inovador que me fascinava. Naquela época, era possível dar subitamente grandes saltos em termos de desenvolvimento. Aqueles foram uma espécie de anos dourados da engenharia na F1”.
Após uma breve passagem pela indústria aeronáutica, Bob ingressou na McLaren em 1982, onde ficou nove anos e liderou o projeto Maverick, que visava a quebra do recorde de velocidade para veículos terrestres.
Bell trabalhou em várias equipes antes de ingressar na Renault em 2002. “O atual regulamento não nos permite dar grandes saltos súbitos de desenvolvimento como antigamente, então nos mantemos sempre sob pressão para forçar o surgimento de novidades. É um trabalho bastante motivador”, diz ele. “Nosso espírito de equipe cresceu muito e mostra que o sucesso de 2005 não é algo passageiro. Isto foi claramente mostrado pelo resultado de nosso trabalho, o modelo R25”.
Nesta matéria, Bob Bell fala dos bastidores e dos detalhes técnicos que fizeram de sua criação, o campeão mundial Renault R25, o bólido mais temido da temporada passada. Suas explicações também deixam transparecer como a fábrica francesa, que conquistou os títulos mundiais de pilotos e de construtores na F1, pretende surpreender os adversários com outra obra-prima da engenharia. Será que isso é possível? Descubra a seguir:
Filosofia geral
“O carro de 2005 foi projetado como uma evolução. Nós tentamos reunir os pontos fortes de nossos dois modelos anteriores. Em 2004, a estrutura mecânica foi prejudicada por uma mudança tardia na arquitetura do motor. Mas para 2005 nós conseguimos recuperar as qualidades exibidas pela versão de dois anos antes, em 2003. O novo motor V10 que usamos na conquista do título tinha um centro de gravidade muito mais baixo que em 2004. Além disso, sua instalação era muito mais rígida, o que colaborou na qualidade geral do chassi. Nós também trabalhamos para otimizar cada detalhe: melhoramos a rigidez geral, reduzimos o peso e produzimos um ‘pacote’ mais compacto em termos de componentes mecânicos. Isso deu aos nossos aerodinamicistas muita liberdade para trabalhar. O R25 foi o carro de Fórmula 1 derivado de uma evolução mais perfeito com o qual trabalhei”.
A aerodinâmica é vital
“Aumentar a downforce (força aerodinâmica que empurra o carro contra o solo) é a forma mais eficiente no aspecto custo-benefício para melhorar o desempenho do carro. É a razão pela qual nós assumimos o risco, já em julho de 2004, de alocar uma quantidade enorme de tempo no túnel de vento para estudos do carro de 2005. Naquela época foram publicados os primeiros detalhes do novo regulamento. As regras tiveram um impacto enorme no desempenho aerodinâmico, reduzindo a eficiência em até 20% inicialmente, mas nós ficamos encorajados pelos ganhos que conseguimos no túnel de vento e continuamos a melhorar a aerodinâmica do carro sem parar ao longo da temporada. O trabalho duro em fazer o carro o mais compacto possível deu à equipe de aerodinâmica muita liberdade para recuperar a downforce que o regulamento nos tirou. Assim, no final de 2005, já tínhamos uma eficiência similar à de 2004. É difícil apontar, na aerodinâmica deste carro, qual parte chegou à solução mais importante. Mas eu fiquei particularmente feliz com o trabalho na asa dianteira, e com a atenção dedicada aos detalhes nesta área do nosso F1.”
Step II: um grande salto à frente
“Nós criamos um sistema eletrônico completamente novo para o R25. Este sistema uniu a eletrônica do motor e do chassi em uma só unidade pela primeira vez. Para começar, é um sistema mais leve: ele representa 25% do peso que conseguimos retirar do carro durante o inverno europeu de 2004-2005. Além disso, trata-se de um sistema mais inteligente. Antes dele, o controle do carro era mais lento, pois usávamos dois sistemas que precisavam se comunicar, gerando um atraso. Com nosso novo sistema integrado, temos ainda quatro vezes mais capacidade de processamento e um poder de aquisição de dados dez vezes maior. Isso tudo significa que nossos sistemas de controle, como o de tração, tornaram-se muito mais eficazes”.
V-keel: uma solução elegante
“Em 2005, nós criamos uma abordagem inovadora com nossa suspensão dianteira tipo ‘V-keel’ (ou ‘quilha em V’). Nos últimos anos, duas filosofias opostas se desenvolveram: a ‘escola’ da ‘single keel’ (quilha simples), que prefere usar um braço triangular inferior único na suspensão, como na Ferrari de 2005; e a os adeptos da ‘twin keel’ (quilha dupla), que desocupou a área sob o carro para melhorar o desempenho aerodinâmico… mas que talvez tenha sacrificado um pouco da fundamental rigidez estrutural que os F1 precisam ter. Eu acho que nossa quilha em V foi uma solução elegante para este dilema. Outras equipes optaram por abordagens diferentes, mas acredito que nosso sistema combinou as vantagens das duas tendências: ele oferece a vantagem aerodinâmica com uma perda estrutural mínima, e ainda nos permite manter a configuração mecânica que mais nos agrada. A suspensão tipo V-keel é um conceito proposto pelo chefe de nosso departamento de aerodinâmica, Dino Toso, em 2004. É o tipo de idéia que parece tão simples a ponto de você se perguntar por que não se pensou nela antes!”
Distribuição de peso
“Nós desenvolvemos uma filosofia na Renault F1 Team: otimizar o desempenho do carro, com tendência a concentrar peso cada vez mais na traseira. Não há respostas certas ou erradas nesta área. A McLaren, por exemplo, tem seu peso colocado muito mais à frente. São duas concepções distintas, ambas desenvolvidas em sua máxima expressão dentro da F1. Porém, seria preciso reprojetar o carro inteiro para mudar de uma para a outra (opção de distribuição de peso). É como ter dois escaladores, em duas montanhas diferentes, mas de tamanho parecido, que se olham à distância para saber quem chegou mais alto até aquele momento…”
Os mentores do R25
“Durante a temporada 2005, 505 pessoas trabalharam em Enstone, Inglaterra, onde produzimos o nosso chassi. Este número chega a 540 se você incluir os consultores. Entre todos os envolvidos, 370 trabalharam em projetos técnicos: 40 no departamento de design, 60 no de aerodinâmica, 20 em pesquisa e desenvolvimento, etc”.
Desenvolvimento: um R25 diferente a cada corrida
“Nós decidimos bem cedo que seríamos muito agressivos no desenvolvimento do R25. Uma prova disso é que introduzimos um grande pacote aerodinâmico no Brasil, e usamos até mesmo desenvolvimentos de suspensão no Japão – quando a temporada estava acabando. Ganhamos mais de 10% em eficiência aerodinâmica da primeira até as corridas finais. A potência aumentou, e nós poupamos vários quilos. Se o R25 usado na China fosse enviado de volta para a Austrália, seria cerca de um segundo mais rápido do que foi naquela pista no início do ano.”
As virtudes do R25
“Elas são várias. Primeiro, o R25 é fácil de ser acertado e apresentava na pista o mesmo comportamento que era previsto em nossas simulações por computador. Não havia uma fraqueza de verdade: tinha boa aerodinâmica, ótima rigidez, leveza, estabilidade em curvas de alta velocidade e sob frenagem, e um sistema de refrigeração fantástico. Além disso, apesar de as pessoas não poderem vê-lo, o sistema eletrônico era quase perfeito”.