Embora não caiba comparação entre uma categoria de turismo com 33 carros teoricamente iguais no grid e a F-1 com as desigualdades que a gente conhece, que bom seria se o GP de San Marino tivesse uma pequena porcentagem dos duelos que se viu da primeira à última volta da corrida da Stock Car de domingo passado em Interlagos. Para ter certeza de que eu não estava superestimando as brigas e ultrapassagens da Stock, hoje tão raras no Mundial de F-1, durante a semana eu vi e revi a corrida, e acreditem: cada vez gostei mais. Este é o automobilismo que entusiasma a todos nós, apaixonados pelo esporte, e isso me leva a crer ainda mais no que venho defendendo há algum tempo – o gosto do público está migrando para as corridas de carros de turismo.
Entre os europeus, isso não chega a ser novidade. Sempre se deu muita importância às tradicionais provas de longa duração, que contam com a presença das grandes marcas da indústria automobilística. Mas hoje em dia qualquer corrida do Campeonato Alemão de Turismo, o DTM, atrai mais de 100 mil pessoas, como aconteceu domingo em Hockenheim, onde nem a F-1 teve um público como este em 2003. A Stock Car, ao quebrar um recorde que durava 14 anos, levando 33 mil pessoas a Interlagos, mostra que este fenômeno chegou ao Brasil. O país que se ligou nas corridas de fórmula graças ao sucesso de nossos pilotos no Exterior, está aprendendo que automobilismo não é feito apenas das corridas de monopostos. Ao contrário, enquanto estes têm perdido a competitividade dos tempos românticos em que os carros nasciam de verdadeiras oficinas de fundo de quintal, e todas as equipes tinham basicamente a mesma condição financeira, os carros de turismo estão cada vez mais iguais uns aos outros em termos de motor, freio, suspensão e aerodinâmica.
O ideal é quando há competição entre marcas, como acontece na Alemanha e em outros países europeus, além do próprio Campeonato Europeu de Carros de Turismo, que conta até com a participação de um brasileiro (o paranaense Augusto Farfus Junior). No Brasil, por enquanto, a Stock ainda tem a cara de monomarca porque todas as carenagens são do Chevrolet Astra. Mas os carros já são produzidos artesanalmente por uma empresa independente e os motores, importados dos Estados Unidos, não trazem a assinatura de nenhuma marca do mercado. Só está faltando outros fabricantes participarem com carenagens de seus modelos, porque até o regulamento já prevê isso. A Fiat esteve próxima de entrar já em 2004, e fala-se também de Ford, Honda e Toyota.
Eu me arrisco a dizer que se algum canal esportivo de TV da Europa mostrasse corridas como a de Interlagos, a Stock Car brasileira já estaria vendendo transmissões para vários paises. Não é qualquer categoria no mundo que tem seis carros disputando a liderança e outros quinze do segundo bloco andando tão próximos a ponto de se ver três carro fazendo juntos a apertada curva do “S” do Senna. Está bem que eu vi a Stock nascer em 1979 e acompanhei os seus 25 anos de vida, estando ainda mais próximo nos últimos quatro anos, desde a parceria da TV Globo. Mas este entusiasmo todo não é só meu. O Piquet e o Felipe Massa estiveram lá e se mostraram surpresos com a competitividade e o calor do público, e o Christian Fittipaldi disse no meu programa do SporTV que agora já sabe onde correr daqui a mais alguns anos, repetindo o que havia dito Rubinho Barrichello, depois de experimentar o carro em dois treinos no final do ano passado. Enfim, este é o automobilismo que me atraiu desde criança, e que me levou a dedicar 32 anos de carreira ao esporte. Espero, ansioso, a F-1 deste fim de semana, mas, ainda com mais intensidade, a Stock do fim de semana seguinte (2 de maio) em Tarumã.
Rivais prometem — A Renault de motor novo, a BMW Williams e a BAR prometendo um novo pacote aerodinâmico e a McLaren correndo para se recuperar. Todas se mexem para tentar mudar o que se viu no início do Mundial, mas mesmo tendo dominado com tanta facilidade as três primeiras etapas, a Ferrari não se acomodou. A equipe promete um carro melhor ainda para tentar a quarta vitória consecutiva, desta vez em casa (Ímola fica a poucos quilômetros da sede da Ferrari e é o circuito que reúne o maior número de fãs da marca).
Tensão plena — Poucas pistas da Fórmula 1 exigem tanto dos freios quanto a de Ímola. Mais até do que a de Melbourne, que fica dentro de um parque. E quanto aos pontos de ultrapassagem, a pista italiana não fica longe das duas mais travadas do Mundial, que são Mônaco e Hungaroring. Por isso mesmo, em 24 anos de GP em Ímola, somente duas vezes a vitória ficou com um piloto que não tivesse largado nas duas primeiras filas. Por coincidência, ambas com Nelson Piquet. Em 1980 e 1981 ele saiu em quinto e conseguiu vencer. Em 14 desses 24 GP’s, o vencedor largou na primeira fila. Além das duas vitórias de Piquet, Senna ganhou três vezes, a última delas em 91. Desde então, o Brasil não ganhou mais.
Novo autódromo — Ainda este ano o Brasil ganhará um novo autódromo, que está sendo construído na cidade de Santa Cruz do Sul, a 150 quilômetros de Porto Alegre. Com uma pista de 3,5 quilômetros, o circuito fica dentro de uma área de 240 hectares que servirá como local para grandes eventos esportivos e artísticos, inclusive um rodeio, e terá também um camping com capacidade para quatro mil barracas. A cidade de Santa Cruz, com 120 mil habitantes, que é a maior exportadora de tabaco do mundo, possui uma rede hoteleira de 1.700 leitos. As obras devem estar terminadas em setembro, segundo o prefeito Sérgio Ivan Moraes, e a intenção é receber ainda este ano provas dos dois mais importantes campeonatos brasileiros, que são a Stock Car e a F-Truck. A Stock tem a data de 29 de agosto, que é de Goiânia, mas o autódromo não está em condições de receber a corrida.
Reginaldo Leme
Comentarista das corridas que são transmitidas pela Rede Globo de Televisão.
Escreve colunas para o jornal “O Estado de São Paulo” há 10 anos, que são publicadas todas as sextas-feiras.
Leme é colunista da F1Mania.net desde o dia 08/08/2003.