Lika In-Loko: E não foi culpa do coelho…

Por Aline Mattheis

Ontem, conversei longamente com o Engenheiro de Performance da Force India, o brasileiro Robert Sattler, de 31 anos, e também triatleta, radicado na Europa há quase 5 anos, sobre a inegável evolução da Force India nessa temporada de 2009 na F1, que me relatou, detalhadamente seu parecer sobre esse up-grade, e tenho certeza que o sucesso só vem através do trabalho.

“Infelizmente no sábado de manhã o Fisichella acabou atropelando um coelho. Muitos cogitaram que o sucesso obtido logo depois na classificação e na corrida seria devido a esse importuno acidente no TL3. Inclusive o Mark Webber presenteou o Fisico com um coelho de pelúcia durante a volta de apresentação dos pilotos (em cima do caminhão…)

“Mas obviamente o sucesso não vem por acaso. Já tem algumas temporadas que nós estávamos buscando um resultado tão positivo. Mas, confesso, se alguém me perguntasse no começo da temporada quais eram as minhas expectativas para 2009, responderia que iríamos marcar vários pontos, mas em nenhum momento eu pude imaginar que iríamos marcar uma pole e chegar em segundo lugar em condições absolutamente normais. Com chuvas e acidentes tudo é possível e minha expectativa sempre é a melhor possível, mas como meus colegas sempre me falam: eu também preciso ser mais realista.

“Incrível imaginar que tínhamos o melhor carro na Bélgica e se não fosse o SC e o KERS da Ferrari o resultado poderia ter sido ainda melhor. Sem dúvida o Fisichella andou com a cabeça no lugar e não arriscou mesmo sabendo que era mais rápido. Os pontos eram mais importantes do que arriscar outro, possível, desastre com nosso conhecido ‘amigo’ Kimi.

“Também foi uma pena que o nosso box na Bélgica era na saída do pit. Se estivéssemos em posições opostas a Ferrari, talvez teríamos conseguido passá-lo no pit-stop, já que as nossas paradas (principalmente a primeira) eram melhores, mas para evitar uma saída perigosa (como a Red Bull fez novamente) o nosso chefe de mecânicos, que segura o pirulito e libera o carro, agiu com cabeça.

“Mas muitos me perguntam o que aconteceu de uma hora para outra nós andarmos na frente. Sem dúvida isso não veio da noite pro dia. Nós sabíamos que tínhamos achado um ‘passo’ muito grande no conjunto aerodinâmico antes da fábrica ficar fechada durante as férias. Como todos nós sabemos, o que faz a grande diferença hoje em dia na performance de F1 é basicamente 90% a eficiência aerodinâmica, o resto é a base mecânica e o próprio piloto.

“Por sabermos que Valência seria a chance do ano, nós gastamos todas nossas fichas para a etapa do GP da Europa. Colocamos não só novo, mas os dois melhores motores que ainda nos restam até o final do ano e inclusive conseguimos antecipar o uso de alguns apêndices aerodinâmicos que estavam só programados para estrear em Cingapura.

“Como nós somos uma equipe pequena, existe um tempo considerável da produção das peças depois de serem aprovadas pelos engenheiros de aerodinâmica do túnel de vento. Mesmo esperando que as nossas melhores chances fossem Valência, nós ao mesmo tempo não tínhamos idéia quais seriam os avanços da outras equipes. Uma surpresa ingrata para gente foi o avanço da BMW, que provavelmente colocou o carro de 2009 de novo no túnel para achar mais avanços, já que eles não estarão no campeonato do ano que vem. Nosso departamento aerodinâmico, como das outras equipes, já está mais focado para o desenvolvimento do carro do ano que vem. É claro que equipes grandes que tem dois túneis ainda estão desenvolvendo algo para os carros atuais, principalmente as equipes que estão disputando o titulo como a Brawn e RBR. Mas sempre é preciso desligar a chave num certo momento, senão o projeto do ano seguinte atrasa demais… e nós, com a menor equipe, temos que realizar isso ainda mais cedo.

“Em Valência a nossa performance não era ruim. Inclusive o Adrian foi o mais rápido no TL3. Nós sabíamos que não estávamos tão leves, mas muitas vezes outras equipes andam ainda mais pesadas no TL3 para esconder o jogo… e assim fica difícil ter uma real visão antes da classificação.

“No Q1 o Fisico teve o azar de pegar tráfego, mas o Adrian passou com facilidade e para passar para Q3 faltaram menos de 0.1s. A F1 está tão competitiva hoje e realmente o mínimo detalhe pode te jogar várias posições para trás. Por exemplo, em Valência tivemos que trocar os dutos de freio dianteiros por maiores depois do TL3 e nós sabemos q esses dutos custam 0.1s por volta no circuito de rua espanhol, mas a temperatura dos freios e o desgaste de freios estava excessivamente alta e mesmo com os dutos maiores tínhamos que avisar o Adrian o tempo inteiro para ele não acelerar e frear ao mesmo tempo na corrida (cross-over) e também no final tivemos q pedir para regular o balanço de freio um pouco para trás. Como sou eu que monitoro isso e tenho que tomar as decisões, confesso que foi uma corrida muito tensa para mim, principalmente nas últimas 10 voltas, porque o desgaste dos discos de freio já tinha passado de mais de 10mm, nós todos sabemos que uma falha de motor ou câmbio nunca é desejada, mas ao mesmo tempo não transmite nenhum perigo se acontecer, já uma falha de um disco de freio pode ter conseqüências bem maiores.

“No final conseguimos completar a prova de Valência, mas não marcamos pontos. Isso mostra que, como uma equipe pequena sofremos em vários aspectos técnicos. Por exemplo, nós ainda fixamos o disco de freio no discbell com parafusos (como é feito nos outros carros de corrida pelo mundo afora), as outras equipes da F1 já usam um disco de freio com estrias, o que não só diminui o peso do conjunto, mas também aumenta a refrigeração do disco e, assim, dutos menores e aerodinamicamente mais eficientes podem ser utilizados.

“Nossas expectativas para Bélgica não eram tão grandes até o sábado de manhã. Nós tínhamos levado uma asa dianteira e traseira específica para o circuito belga. Que é bem mais rápido do que a maioria dos circuitos, mas ao mesmo tempo não tão rápido quanto Monza (que já requer outro pacote). Quando vimos os números dessa asa antes de embarcar para Bélgica, vimos que a eficiência (downforce X arrasto) era muito pior das asas que a gente usa em outros circuitos. Então começamos a fazer um monte de contas para saber o que fazer, a questão básica era saber se era melhor correr com uma asa de Valência com melhor eficiência, mas com menos velocidade máxima, ou se era melhor usar a asa da Bélgica para obter a maior velocidade máxima possível, mas perder na curvas de alta (basicamente no segundo setor).

“Acabamos decidindo testar as duas opções na sexta, mas com a chuva no primeiro treino não conseguimos obter as respostas tão cedo. Confesso que sexta à noite foi bem desgastante, porque às 16h30 temos que passar a relação de marcha para a FIA para eles lacrarem os câmbios do fim de semana, e isso era só 1h30 depois do final do segundo treino. Decidimos correr com a asa de Spa, porque vimos que não íamos chegar a nenhum lugar andando mais de 12km/h mais lento na reta, mas o balanço do carro não estava certo.

“Então decidimos testar algo que não foi testado no túnel. Correr com a traseira da Bélgica, mas dianteira de Valência. O Fisico começou o treino assim, gostou da primeira impressão, mas logo no final da primeira saída atropelou o coelho e quebrou a única asa de Valencia disponível para ele. O Adrian também acabou testando a combinação e achou o balanço bem melhor. Nós engenheiros não tínhamos dados corretos para simulações, já que essa combinação nunca tinha sido medida no túnel, estávamos meio jogando com interpolações.

“Mas com os resultados obtidos no FP3, decidimos montar as pressas mais asas dianteiras de Valência, e fomos para classificação. O resultado todo mundo sabe…

“O engraçado foi que todo mundo achava que estávamos absurdamente leves, o que não era verdade, através dos nossos programas e cálculos de estratégia optamos pela melhor estratégia, e hoje sabemos, se tivéssemos colocado combustível para dar uma volta a mais na corrida, já seríamos 2º no grid e se tivéssemos colocado para dar duas voltas a mais seriamos 5º. Já que o efeito do peso na Bélgica em bem alto.

“O Adrian sofreu um pouco com os pneus moles, mas outros pilotos também tiveram o mesmo problema. Achamos que se tivéssemos feito Q2 com os duros, ele também deveria ter passado para Q3.

“Na corrida o Adrian também mostrou o quanto era rápido o nosso carro. Se não fosse o acidente na primeira curva a gente calcula que seria um 5º lugar, no mínimo, e mesmo com a troca da asa, ele iria terminar em 8º, mas infelizmente ele saiu da pista na volta 22 o que lhe custou 5 segundos e, ele acabou pegando mais tráfego depois da 2ª parada.

“Mas o Fisico estava fantástico. Apesar de ter falado que o pacote aerodinâmico define 90% a performance do carro, em circuitos como da Bélgica um piloto ainda pode fazer uma diferença considerável. E sem dúvida a motivação que ele apresentou nesse fim de semana também foi fundamental para obter esse resultado.

“Vamos ver o que acontece em Monza, ainda melhores resultados estão por vir.”



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