Coluna Pole Position: Vou-me embora!

Por Thiago Alves

Cansei!

É esse o sentimento de muitos fãs do automobilismo. Aquela pessoa que assiste até corrida de palitinho na sarjeta. O grande premio de Mônaco foi o mais chato dos últimos anos. E não apenas Mônaco. Já faz aproximadamente 10 anos que não temos uma temporada emocionante na Fórmula 1.

Nasci e cresci aprendendo a amar esse esporte. Nunca esqueço do meu pai chegando nas manhãs de domingo, esfregando as mãos, me chamando para assistir as corridas, com a celebre frase “Vai começar!”. A empolgação que ele demonstrava era contagiante. Nunca perguntei para meu pai, mas acho que no fundo ele sentia um orgulho tremendo com isso. Minutos depois eu levantava com aquela cara de sono, sentava no sofá e acompanhava as corridas, pegas, disputas e todas as emoções. Quando a corrida acabava, pegava minha sacola cheia de carrinhos comprados na feira e fazia uma corrida pela casa toda.Mesmo quando aquela curva levou meu ídolo para pilotar em outras pistas, continuei com essa mesma rotina. Faço isso desde os 3 anos de idade, com a diferença que de uns anos para cá sou eu quem acorda o meu pai para as corridas e ao invés dos carrinhos, piloto no computador.

Estou preocupado com a atual situação da Fórmula 1. Não existem disputas na pista, apenas nos boxes. Nos carros, vários apetrechos que evitam rodadas. No lugar de pilotos, apertadores de botões que não tiram mais do que o carro lhes oferecem.Não existe mais o charme de outras épocas, como o câmbio que não era uma borboleta atrás do volante e mecânicos não tinham roupas de astronautas, mas apenas uma camisa e uma bermudinha curta (e ridícula).

Hoje, a corrida de F1 é decidida ou na classificação ou na primeira curva. Os freios modernos não deixam mais o piloto retardar ao máximo a freada, já que sempre são acionados no limite, quase dentro da curva. Passou do ponto, sai da pista. Derrapar o carro para manter a trajetória, não tem jeito. Em circuitos mais travados, presenciamos desfiles de carros velozes, um atrás do outro, sem tentar uma ultrapassagem.

Quero meu tempo de criança de volta. Ter prazer e não sono ao acordar cedo. Assistir uma corrida sem trocar nenhum vez o canal da televisão. Ver ultrapassagens em todos os pelotões do grid, e com o mais fraco passando o mais forte. Uma largada com 28 carros e mais alguns que ficaram de fora por que foram mais lentos no treino de classificação,sem nenhuma regra que favoreça alguns pilotos. Os mais rápidos largam, e os mais lentos assistem.

Se isso não acontecer, talvez fique frustrado daqui a alguns anos quando quiser acordar meu filho para ver uma corrida. Ele terá todos os motivos do mundo para falar que corrida é uma coisa chata, virar para o outro lado e continuar seu sono dominical.

Se isso acontecer, farei o mesmo que Manuel Bandeira e me mudo para Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a corrida que eu quero

Na pista que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a corrida é uma aventura

Tem um piloto meio inconseqüente

Que aplausos de todos ganha

Virando feito serpente

Me mostra de um jeito transparente

Um tempo que já tive

E sem fazer ginástica

Fingindo estar de bicicleta

Domará um carro brabo

Raspando o Guard-rail

Na hora de ultrapassar

E sem ficar cansado

Quando põe um pneu frio

Mesmo em cima d’água

Difícil segundo as histórias

Que desde meu tempo de menino

O narrador vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo

É outra competição

Não tem nenhum braço duro

Que roda na classificação

Não tem câmbio automático

Mas piloto com vontade

Tem manobras bonitas

Para a gente delirar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me acelerar

— Lá sou amigo do rei —

Terei o carro que eu quero

Na pista que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

Talvez seja a melhor saída. Lá é bem melhor do que aqui.



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