Coluna Na Brita: Jogo de Equipe

Por Kleber Marques

Após anos de domínio da Ferrari no início deste século, muitos se esquecem de como a equipe mais famosa do mundo penou para chegar ao topo.

Voltemos a 1999. Schumacher e seu escudeiro Irvine, enfim pareciam ter condições de disputar o título. A Mclaren era a equipe com o melhor carro na média das corridas, mas a equipe vermelha não ficava muito distante e ficava no ar a possibilidade de que a Ferrari sairia de um jejum que vinha desde 1979. A expectativa não durou muito. No GP da Inglaterra, Michael Schumacher sofreu um acidente, quebrou uma perna e abandonou a disputa pelo título.

No ano seguinte, nosso compatriota Rubens Barrichello e os pneus Bridgestone ingressaram na equipe e mesmo sem um carro claramente superior, a Ferrari conseguiu o seu título mundial de pilotos tão desejado. Talvez se não tivessem caído algumas gotas de chuva no GP do Japão, a Mclaren mantivesse sua hegemonia da época, pois só com a pista úmida Schumacher pôde descontar a superioridade das flechas de prata naquela corrida. Após esse título, “a porteira se abriu” e a Ferrari iniciou o domínio mais impressionante em toda a história da categoria, com o melhor carro e o melhor piloto numa combinação perfeita.

Um único episódio manchou o orgulho ferrarista em todos esses anos: o GP da Áustria de 2002. Até então Schumacher liderava com 21 pontos a frente do segundo colocado, Montoya. Na corrida, Rubens vinha para uma vitória tranqüila após ter feito a pole e seguia para sua segunda vitória na carreira, pois não havia vencido na temporada anterior. O final da história o mundo já sabe: Rubens e Michael trocaram de posições e o alemão conquistou sua vitória de número cinqüenta e oito. O mundo caiu sobre a equipe de Maranello e até hoje se ouvem críticas àquele episódio. Os críticos alegam que a Ferrari violou o princípio esportivo de que o melhor deve vencer, e que a Ferrari não precisava desta ordem de equipe para garantir seu título mundial. É aí que a lembrança da temporada de 1999 vem à mente: toda a cúpula ferrarista passou a trabalhar pensando no pior após aquele acidente em Silverstone. Cabe ao leito julgar o mérito da questão.

Para chegar a uma conclusão, devemos levar em conta alguns fatos. O principal argumento a favor do jogo de equipe é o de que este sempre existiu. O endeusado Fangio já venceu um campeonato trocando de carro com seu companheiro de equipe durante a corrida (este piloto que cedeu seu carro ainda tinha chances de ser campeão.) Outro argumento é o de que na Formula 1, é ilógico imaginar que uma equipe que gasta milhões de dólares todos os anos deixará seus dois pilotos disputando ferozmente na pista, abrindo a possibilidade de um outro piloto de outra equipe roubar-lhe o título, como já aconteceu em 1986 na equipe Williams. A partir daquela derrota, Frank Williams começou a enxergar o jogo de equipe com outros olhos, e em algumas entrevistas deixou claro que usaria o jogo de equipe caso fosse necessário.

Vejamos o que dizia no regulamento da época do episódio da Áustria:

“It is perfectly legitimate for a team to decide that one of its drivers is its Championship contender and that the other will support him. What is not acceptable, in the World Council’s view, is any arrangement which interferes with a race and cannot be justified by the relevant team’s interest in the Championship.”

Em outras palavras, o regulamento legitimava as ordens de equipe, quando o interesse das equipes no campeonato justificasse.

No regulamento atual o jogo de equipe é proibido. Porém não é o que está se vendo na pista: em pelo menos três episódios vimos claramente pilotos trocando posições: Fisichella dando passagem a Alonso em duas oportunidades e na corrida da Bélgica, Montoya diminuindo claramente seu ritmo para dar passagem a Kimi Raikkönen quando as paradas de reabastecimento ocorressem. Como as conversas entre piloto e equipe através do rádio estão liberadas, os dirigentes criaram códigos para a troca das posições. Briatore diz no rádio “Alonso, passe Fisichella, você está mais rápido.” Nesse momento se vê o piloto espanhol passando pelo segundo piloto da Renault como se ultrapassasse um retardatário.

Estranhamente, os mesmos que esbravejaram contra a Ferrari, acham naturais as ordens de equipe no presente. Fica a pergunta: Se Barrichello tivesse desacelerado antes do final da corrida, naquele fatídico GP da Áustria, o episódio passaria em branco? Se sim, chega-se à conclusão de que as críticas do mundo inteiro contra a Ferrari foram devidas à atitude do piloto brasileiro, que resolveu escancarar o jogo de equipe e jogar o mundo contra a equipe ao ceder sua posição somente na última volta. Deste modo Barrichello conseguia uma desculpa para seu insucesso na batalha interna contra Schumacher desde 2000.

Cabe ainda lembrar de um episódio de 1994. Em uma das corridas daquela temporada, David Coulthard fez sinal com a mão para Damon Hill ultrapassá-lo. O episódio foi registrado pela câmera onboard, mas poucos se lembram daquela atitude. Ao se analisar tudo, chega-se a conclusão que os torcedores se comportam da seguinte maneira: criticam quando lhes convém. Caso contrário, simplesmente ignoram o fato.



Baixe nosso app oficial para Android e iPhone e receba notificações das últimas notícias.