Por Kleber Marques
O GP dos Estados Unidos foi único. A Michelin que até então vinha colhendo os frutos de possuir o melhor pneu até então na temporada, deparou-se com uma pista que prejudicava seus compostos e favorecia os pneus que até então eram motivo de piada, os Bridgestone. Sabe-se que as duas fábricas de pneu escolhem dois tipos diferentes de compostos para cada corrida e que logo após essa escolha, no qualify, os pneus não podem ser trocados. Nos discursos de véspera de treinos livres, Hiroshi Yasakawa da Bridgestone falava em segurança, já Pierre Dupasquier da Michelin focava seu discurso em desempenho. Prenúncio do desastre.
Após os acidentes de Ralf Schumacher e Ricardo Zonta com a Toyota e pneus Michelin, a Michelin descobriu que nenhum de seus 2 compostos era seguro para a corrida. Deveria ter trazido um composto mais resistente, mas a ganância por desempenho falou mais alto e foi a vez dos japoneses da Bridgestone rirem da situação (com certeza isso foi comemorado por lá).
A Michelin tentou usar de política e achar uma brecha no regulamento. Propôs à FIA que os pneus pudessem ser trocados por motivo de segurança. Pedido negado, pois a entidade máxima do automobilismo considerou que foi um erro da fábrica de pneus francesa e que havia outras formas de contornar a situação sem infringir o regulamento, como parar nos boxes para trocar pneus várias vezes durante a corrida. Outra alternativa era aumentar a pressão dos pneus, pois sabe-se que um dos trunfos da Michelin até então na temporada é conseguir usar pressão extremamente baixa nos seus pneus, cerca de 7 libras, fazendo com que o pneu se deforme nas curvas, o que proporciona maior aderência. Talvez a Michelin tenha percebido que se a calibragem dos pneus fosse alterada, o desempenho seria pífio, e resolveram apostar na política. Blefaram e perderam, sendo obrigadas a recomendar que seus clientes recolhessem seus carros após a volta de apresentação para evitar um desastre ainda maior.
Muitos estão culpando a Ferrari por ter vetado a construção de uma chicane numa das curvas anteriores à reta principal, que segundo os franceses, é a que proporcionava mais stress aos seus pneus. Os italianos vetaram e com razão, por vários motivos, listados a seguir. Segundo Jean Todt, se fosse a Ferrari a pedir a chicane todos ririam e não levariam em conta o pedido, pois as equipes com Bridgestone são minoria. Já Barrichello disse que se tivesse sido mudada uma das curvas no GP do Bahrein, talvez seus pneus agüentassem até o final naquela corrida (seus pneus se deterioraram completamente naquela ocasião) e que até mesmo a chicane se tornaria perigosa, pois os pilotos não teriam como se adaptar rapidamente a ela. Schumacher disse que os mesmos que clamavam por segurança nessa corrida, eram os que aconselhavam aos seus pilotos para ultrapassarem em bandeira amarela em uma corrida realizada há alguns anos quando foi decidido que seria mais seguro não se ultrapassar nas primeiras curvas. A verdade é que se há culpados além da Michelin, esses são os que aprovaram a regra de não se poder trocar pneus durante as corridas. Ironicamente uma regra criada sob medida para frear o desempenho da Ferrari que vinha reinando absoluta na F-1. Para quem não sabe, a sugestão dessa regra foi da própria Michelin.
Sobre a corrida, foi um belo duelo entre os pilotos da Ferrari. No início parecia que ambos estavam apenas passeando na pista, mas as primeiras fritadas de pneu de Barrichello denunciavam que não era o caso. Os pilotos estavam no mesmo ritmo até iniciarem seus primeiros pit-stops. O piloto brasileiro fez a sua parada sem problemas, gastando 25,8 segundos. Duas voltas mais tarde, foi a vez de Schumacher parar, mas para surpresa geral o pit-stop do alemão demorou muito mais do que o esperado, uma perda de 32,8 segundos no total, pois os mecânicos estavam examinando o pneu traseiro esquerdo da Ferrari número 1. Se houvesse problema nele, o trocariam. Mas como nada foi constatado de mais grave, foi autorizada a colocação da mangueira do reabastecimento (lembrando que se o pneu fosse trocado, o reabastecimento teria que ser feito na volta seguinte).
Com isso Barrichello liderou a corrida até o segundo pit-stop. Foi aí que o alemão mostrou sua excelência nos procedimentos de pit-stop, que incluem a volta antes do pit com carro leve, a entrada nos boxes em alta velocidade e a frenagem no limite para não infringir o limite de velocidade dos boxes.
Os 2 pilotos da Ferrari se encontraram na saída dos boxes e dividiram a primeira curva. O alemão não recolheu, tratou Rubens como um adversário qualquer e freou no limite, porém sem espalhar para a linha de traçado do brasileiro. Barrichello tentou fazer o mesmo, mas como estava por fora, freou sobre a parte suja da pista, perdendo aderência e indo passear na grama. Este foi o único momento de emoção da corrida que entrou pra história como “a corrida de seis carros.”
Deve ter havido muita discussão por rádio entre a equipe e os pilotos, pois quando estes saíram dos carros após a corrida, não trocaram sequer uma palavra. Talvez esta corrida tenha sido o estopim para a saída iminente de Rubens da Ferrari. Seria uma boa. Em outra equipe Barrichello poderá mostrar todo seu valor, pois permanecendo na Ferrari ele será um eterno Berger, o “fiel escudeiro de Senna” como dizia Galvão Bueno naquela época. Assim como o austríaco, a competição com um companheiro de equipe muito superior e com privilégios (merecidos) na equipe é cruel.