Por Luís Joly
Sempre que me lembro de Ayrton Senna, diversas imagens se formam em minha mente. Fato comum, afinal, acompanhei sua carreira como fã desde seus tempos na Lotus, ao lado de Elio de Angelis, ainda vivo. Por isso, as imagens se confundem. São tantos momentos marcantes na carreira do piloto que ficaria difícil definir algo. Mas hoje ficou fácil.
Em 1989, com dez anos, minha vida era muito fácil, embora, na época, achava uma dureza: estudar e brincar. No ano anterior, também em outubro, passei minha primeira noite em claro. Junto de meu pai, colchões perfeitamente arrumados, videocassete novo para relembrar aqueles momentos, assisti ao triunfo do brasileiro no Japão. Agora, 1 ano depois, estava lá novamente, com os mesmos colchões. Como em 88, dormi cedo, e acordei de madrugada, embora mal tenha dormido, tamanha era a excitação de ver logo a corrida.
Em 22 de outubro de 1989, 15 anos atrás, uma nova imagem de Ayrton se construiu. Campeão mundial em 1988, o piloto mostrava ao mundo que era mais do que um brasileiro, ou um piloto que gostava de corridas automobilísticas. Senna precisava ganhar, a qualquer custo, derrubando quem fosse, e seguindo uma ética que por vezes gerava polêmica no invejoso circo da Formula 1. Seu ideal e a maneira de agir atingiram o ápice na temporada de 89. A corrida em Ímola, alguns meses antes, marcou o início (oficial) das animosidades entre Senna e Prost, dois gênios que dividiam o mesmo espaço dos holofotes. Prost acusou Senna; o brasileiro revidou a provocou o francês. A discussão tomou ares internacionais, e quando os dois chegaram à Suzuka para decidir o campeonato, a rivalidade já era assunto de todos os principais jornais do planeta.
Já para mim, a única rivalidade era com o amigo da época, o Mauro. Aliás, a rivalidade era tanta que, na escola, eu era o Luís “Senna” e ele, Mauro “Prost”. Terminadas as aulas, corríamos para o pátio. De lá, corríamos para a lanchonete. Sempre competindo, sempre um tentando superar o outro. Me lembro de encarar essas corridas como um evento sem precedentes. Juntava outros colegas da sala, no total uns 7 ou 8, e dava nomes: “Você é o Francisco “Nannini”, você é o Danilo “Berger”, e assim por diante. Durantes as aulas, especialmente de matemática, minha preocupação no caderno era criar o “circuito” da porta da sala até o pátio, com todas as curvas, e tentar encontrar o melhor traçado para vencer. Após a “corrida”, verificava com cada um deles qual foi o caminho feito e o traçado escolhido, para comprar com meu resultado.
Com Senna precisando vencer a qualquer custo para adiar a decisão para a derradeira etapa na Austrália, a pole position não foi surpresa. No entanto, o francês largou melhor a na primeira curva já estava na frente. A partir daí, o mundo foi testemunha de uma corrida à parte, de dois pilotos no auge de sua performance, e principalmente, com um desejo enorme de vencer a corrida e impedir que o rival o superasse. Senna e Prost percorriam as voltas no limite, Prost, com um ligeiro acerto melhor que o do brasileiro, mantinha uma diferença de 5 segundos. Com menos asa traseira, impedia que Ayrton pegasse o vácuo de sua McLaren para tentar o bote.
A D. Graça Maria Maria, de matemática, parecia não acabar a aula nunca. A 4ª série jamais me pareceu tão monótona como naquele dia. Como em todo torneio, havia regras. Sentávamos no meio da sala, e só poderíamos começar a realmente correr após cruzar a porta e chegar aos corredores. Colégio alemão, regras severas. Quando a aula terminou, com o confortante som do sinal, ainda não podíamos sair: lição de casa. Fingindo anotar as páginas do livro no meu diário, terminei rapidamente e corri para a porta. Lá estava ele, meu rival maior. E, atrás, outros garotos que também pretendiam vencer. Ao sinal da professora, saímos. Com um bando de búfalos fugindo de um predador, saímos em disparada rumo ao ponto demarcado no meio do pátio, que simbolizava o fim da corrida. Descemos as escadas aos trancos e empurrões, e ao fim dos degraus, era somente Mauro e eu na luta pela vitória.
Na 47ª volta, a poucas do final, Senna sabia que se não arriscasse uma ultrapassagem inesperada, Prost sairia de lá campeão. Então, chegou a hora. A imagem que estaria em todas as emissoras, jornais e revistas da época: Senna, no tudo ou nada, busca uma brecha na chicane que antecede a reta dos boxes. Prost olha no retrovisor. Senna força. Prost, como prometido anteriormente, fecha. E o acidente acontece.
Faltavam poucos metros para a chegada. Na verdade, pouco mais de uma curva. E foi ali mesmo que tudo aconteceu. Na entrada da curva, um encontro de pernas. E o acidente acontece. Os alunos ao redor estranham a situação. Prost já havia saído do carro. Senna, desesperado, acena aos fiscais. Quer voltar à corrida. E volta. Naquele momento, o francês certamente ocultou muito bem com o capacete o sentimento de incredulidade ao ver a McLaren de número 1 voltando à pista, mesmo avariada.
A enfermaria do Colégio Visconde de Porto Seguro vivia uma tarde rotineira naquele dia. Nenhum caso grave, somente os típicos alunos que alegavam dor de garganta para perder aulas. Até que entram dois garotos mancando. Um deles era eu.
Senna completou um volta inteira com a asa caindo aos pedaços, chegando a sair da pista por causa disso. Foi aos boxes, trocou o bico e voltou na segunda posição. Mero detalhe. Em poucas voltas, alcançou o súbito líder Alessandro Nannini e retomou a ponta. Venceu de forma brilhante e mostrou ao mundo do que seria capaz para ser o melhor na sua profissão.
Um joelho vermelho, remédios e ardores foi o resultado daquela desastrosa prova. Até hoje não sei quem ganhou. Mas a verdade é que ninguém deu muita atenção para aquela prova ou mesmo para o meu joelho ralado. Nem mesmo eu. Naquele 20 de outubro de 1989, minha única preocupação era manter a perna esticada no colchão enquanto assistia aos treinos do Grande Prêmio do Japão de Formula 1