O fim de uma era: Christian Horner fora da Red Bull após 20 anos

A Fórmula 1, por essência, está sempre em ritmo acelerado — e não perdoa quando alguém reduz o ritmo. Foi nessa esteira implacável que Christian Horner, o homem que por duas décadas personificou a Red Bull Racing, deixou seu cargo como CEO e chefe de equipe nesta terça-feira. Um fim abrupto, quase teatral, para o dirigente mais longevo da categoria. Um personagem que, até ontem, parecia indissociável do DNA da equipe austríaca.

A decisão, oficializada nesta manhã, 9 de julho, pela Red Bull GmbH, encerra uma trajetória que começou em 2005 e transformou uma estreante irreverente numa potência de oito títulos mundiais. Mas os últimos meses revelaram fraturas internas, desgaste técnico e um declínio competitivo que precipitou uma das maiores mudanças de comando da história recente da F1.

A queda de um império
Christian Horner sempre soube navegar tempestades — fosse enfrentando críticas públicas, gerenciando egos ou disputando poder nos bastidores. Mas em 2025, a tempestade veio de todos os lados ao mesmo tempo. Desde o início da temporada, a Red Bull mostrou que não estava pronta para enfrentar uma McLaren revigorada, uma Ferrari renascida e uma Mercedes mais estável do que nos últimos dois anos.

O RB21 começou o ano com promessas de continuidade técnica, mas entregou inconsistência. A equipe caiu para o quarto lugar no Mundial de Construtores, com quase 300 pontos de desvantagem para os líderes da McLaren — uma realidade inconcebível para quem dominou com mãos de ferro entre 2021 e 2023.

Max Verstappen, peça central do sucesso da Red Bull, também perdeu terreno. Embora ainda demonstre genialidade nas pistas, o holandês já deixou escapar, em entrevistas recentes, que a temporada “já está escrita”. O que se fala no paddock é que Verstappen e seu entorno vinham questionando a direção técnica do time desde o início da temporada, especialmente após a saída de Adrian Newey. “O projeto perdeu a alma”, teria dito uma fonte próxima à família Verstappen à publicação alemã Bild.

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O esvaziamento do poder
A queda de Horner não pode ser dissociada da saída de seus principais aliados. Adrian Newey, arquiteto de todas as eras vitoriosas da Red Bull, anunciou sua saída ainda em 2024. Jonathan Wheatley, braço-direito de Horner na operação esportiva, deixou a equipe para assumir a Sauber. De acordo com os relatos, ambos os profissionais tomaram a decisão de deixar a equipe após um período de forte centralização de poder na figura de Horner, que estaria cada vez mais isolado na tomada de decisões estratégicas.

Sem sua estrutura de sustentação, Horner ficou exposto — tanto internamente quanto diante dos conselhos corporativos da Red Bull, cada vez mais impacientes com a performance e os desgastes de imagem. Apesar de ter sido absolvido pela Red Bull por acusações de conduta imprópria e assédio sexual em 2024 – o caso agora está na justiça comum – o episódio abriu uma ferida pública que nunca cicatrizou completamente. Internamente, o caso gerou ruídos, e muitos apontam que ele acentuou as tensões entre Horner e os Verstappen — incluindo Jos, pai de Max, cuja influência nos bastidores é notória.

Uma reunião definitiva com os conselheiros Oliver Mintzlaff (representante do bloco austríaco) e Chalerm Yoovidhya (do lado tailandês) selou o destino do dirigente. O argumento: a Red Bull precisava de “nova liderança técnica e cultural” para enfrentar a próxima era da F1.

Escolha por Mekies
A sucessão foi imediata. Laurent Mekies, ex-Ferrari e atual chefe da Racing Bulls, assume como novo chefe de equipe da Red Bull Racing. A escolha tem lógica: Mekies é técnico, experiente, diplomático — e, principalmente, não carrega o desgaste político de Horner.

A equipe vê em Mekies “um gestor com trânsito livre entre as áreas técnica e esportiva”, algo crucial para integrar o novo motor Red Bull–Ford com o restante do projeto 2026. Internamente, também foi considerado um “nome de transição”, capaz de reequilibrar as forças dentro do time antes que uma liderança mais permanente seja estabelecida. Na Racing Bulls, Alan Permane foi promovido como chefe de equipe.

Christian Horner (GBR) Red Bull Racing Team Principal celebrates with Daniel Ricciardo (AUS) Red Bull Racing RB13 Max Verstappen (NLD) Red Bull Racing RB13, Dr Helmut Marko (AUT) Red Bull Motorsport Consultant and the team.
Foto: XPB Images

Despedida em Milton Keynes
No campus de Milton Keynes, o clima nesta manhã foi de choque e reverência. Horner reuniu os funcionários para uma despedida emocionada. De acordo com o RacingNews365, o ex-chefe da Red Bull “chorou ao lembrar os primeiros anos da equipe, quando tudo ainda era improvisado e incerto”, dizendo que “não imaginava que aquele projeto de fundo de grid pudesse se tornar uma das maiores potências da F1 moderna”.

Horner foi aplaudido de pé por engenheiros, mecânicos e administrativos — mesmo entre aqueles que recentemente discordavam de suas decisões. “Esse é um momento difícil, mas de orgulho. Obrigado por terem acreditado em mim e nesse time”, teria dito Horner, visivelmente emocionado.

Ao longo de 20 temporadas, Christian Horner acumulou números que o colocam entre os gigantes da história: 124 vitórias, 8 títulos de pilotos, 6 títulos de construtores, inúmeras disputas memoráveis — e, claro, controvérsias na mesma medida.

O que esperar agora?
A saída de Horner reabre um jogo político e técnico dentro da Red Bull que parecia resolvido havia anos. Resta saber como Mekies — e a nova diretoria — lidará com os seguintes pontos críticos:

Max Verstappen: no centro do tabuleiro
Segundo o Bild, Verstappen já considera 2026 um ano-chave para sua permanência. Embora tenha contrato até 2028, existe uma cláusula de desempenho que pode ser ativada no fim do ano que vem. “Max está atento ao ambiente, aos resultados e ao projeto de motor. Se a confiança não for restabelecida, ele pode sair antes”, disse uma fonte próxima ao piloto ao jornal alemão.

Red Bull-Ford: a virada de chave de 2026
A introdução do novo regulamento técnico de 2026 será o maior desafio da Red Bull em mais de uma década. O motor Red Bull–Ford ainda está em fase inicial de integração, e os primeiros testes de bancada indicam que a performance energética do sistema híbrido precisa evoluir. O maior desafio não está na potência máxima, mas sim na regeneração de energia e integração do software de controle — uma área em que Mercedes e Ferrari levam vantagem por terem continuidade estrutural.

Uma nova cultura interna?
A Red Bull precisará fazer mais do que simplesmente trocar nomes: o modelo de gestão da equipe precisa ser revisto. A dependência de Horner e Newey criou um vácuo que agora será ocupado por múltiplos braços — Mekies, Enrico Balbo (engenheiro aerodinâmico promovido internamente) e um novo diretor técnico ainda a ser anunciado.

A aposta é em descentralização, agilidade e modernização de processos — especialmente no túnel de vento e nas simulações de CFD, que estarão no centro do desenvolvimento do carro de 2026.

ABU DHABI, UNITED ARAB EMIRATES - NOVEMBER 23: Sebastian Vettel of Germany and Infiniti Red Bull Racing poses with Infiniti Red Bull Racing Team Principal Christian Horner and team consultant Dr Helmut Marko next to a pit board displaying his achievements with the team in the garage before the Abu Dhabi Formula One Grand Prix at Yas Marina Circuit on November 23, 2014 in Abu Dhabi, United Arab Emirates. (Photo by Getty Images/Getty Images) *** Local Caption *** Sebastian Vettel;Christian Horner;Helmut Marko // Getty Images / Red Bull Content Pool // SI201412176437 // Usage for editorial use only //
Foto: Red Bull Content Pool

De energético ao domínio na Fórmula 1
Christian Horner nunca foi só mais um chefe de equipe. Com seu carisma, sua obstinação e sua visão estratégica, tornou-se símbolo de uma geração da F1. Dividiu opiniões, sem dúvida — mas nunca passou despercebido. Sai com o legado de quem pegou uma marca de energéticos e a transformou em sinônimo de excelência técnica, ousadia e domínio esportivo.

Quando assumiu a equipe em 2005, era um jovem promissor, vindo da F3000, com pouca bagagem na elite do automobilismo. Vinte anos depois, deixou o cargo com 124 vitórias, 6 títulos de construtores e 8 de pilotos, tendo liderado duas eras distintas de domínio: a de Sebastian Vettel entre 2010 e 2013, e a de Max Verstappen entre 2021 e 2023.

Sob sua gestão, a Red Bull não apenas venceu, mas redefiniu o padrão de performance, marketing e política dentro do paddock. Horner foi um personagem midiático, estrategista ferrenho e presença constante nos bastidores. Criou rivalidades icônicas, enfrentou gigantes como Mercedes e Ferrari, e soube aliar inovação técnica à mentalidade ofensiva — muitas vezes dividindo opiniões, mas sempre marcando posição.

Sua saída representa o fim de um modelo de liderança muito específico: centralizado, carismático e combativo. E, embora a equipe continue a trilhar novos caminhos, a Red Bull que conhecemos nos últimos 20 anos — irreverente, provocadora, dominante — leva consigo a assinatura definitiva de Horner.

Mais do que o encerramento de uma trajetória pessoal, a despedida do dirigente representa o fechamento de um ciclo simbólico para a própria Fórmula 1, que entra agora em uma nova fase técnica, política e esportiva. Um novo capítulo se abre. Mas a “era Horner”, com todos os seus altos e baixos, será para sempre lembrada como uma das mais relevantes da história da categoria.

A Red Bull e a Fórmula 1 seguem em frente. Mas em Milton Keynes, hoje, é impossível não sentir que uma era terminou.



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