Entre motores híbridos mais complexos, combustível sustentável e brechas no regulamento, Vasseur alerta: 2026 pode repetir surpresas históricas como a era turbo-aspirada dos anos 80 e o “efeito Brawn GP” de 2009
O chefe da Ferrari, Frédéric Vasseur, colocou mais lenha na fogueira do debate sobre os novos regulamentos da Fórmula 1 para 2026. Para o francês, as mudanças radicais que estão por vir podem abrir espaço para um cenário semelhante ao da temporada de 2009, quando a surpreendente Brawn GP dominou o campeonato graças ao polêmico difusor duplo.
“Ninguém pode prever”, disse Vasseur ao The Race. “Acho que ninguém previu em 2009 que você teria a Brawn quatro décimos mais rápida do que todos. Eles vieram do nada.”
A comparação não é exagerada. Em 2026, a Fórmula 1 terá o maior pacote de alterações técnicas em mais de uma década: motores híbridos 50-50 com foco em combustíveis sustentáveis, aerodinâmica revista, pneus de nova filosofia e novos parâmetros de implantação de energia elétrica. Isso significa que cada detalhe pode transformar uma equipe em candidata inesperada ao título — ou deixá-la para trás.
Motores, pilotagem e brechas
Se até hoje o desempenho dependia majoritariamente da potência pura, Vasseur alerta que o futuro será bem mais complexo:
“No próximo ano, muito mais será sobre pilotagem, turbo lag e outros fatores. Pode ser que o motor mais potente também seja o melhor em dirigibilidade… mas talvez não. Talvez um motor funcione melhor em Monza, e outro em Mônaco ou Budapeste. Isso lembra a era dos turbos contra os aspirados.”
Na década de 1980, esse contraste ficou marcado na história. Enquanto os motores turbo chegavam a ultrapassar os 1.000 cv em treinos de classificação, os aspirados eram mais lineares, com entrega de potência previsível e confiabilidade superior. Em pistas de alta, como Monza e Paul Ricard, os turbos reinavam; em circuitos de rua, como Mônaco ou Detroit, muitas vezes os aspirados se mostravam mais equilibrados. O resultado era uma alternância de forças que dava imprevisibilidade ao campeonato — algo que pode voltar em 2026, agora sob a lógica dos híbridos e combustíveis sustentáveis.
A análise abre espaço para interpretações criativas — e até “brechas” no regulamento. “Você pode ter também alguma ‘brecha’ no chassi, como tivemos o difusor duplo. Isso pode abrir oportunidades”, completou o francês.

Sem “bala de prata”
O discurso também deixa claro que a Ferrari não acredita em soluções milagrosas. Vasseur sabe que a McLaren está no topo em 2025, mas rejeita a ideia de que um único acerto técnico mude tudo de uma vez:
“A McLaren está fazendo um trabalho fantástico, mas é mais que eles têm dez itens no carro, cada um valendo dois centésimos. Não é que eles tenham uma ‘bala de prata’ de três décimos. Temos que melhorar em todas as áreas.”
A filosofia é clara: cada detalhe conta. Para a Ferrari, confiar em um único golpe de sorte em 2026 seria arriscado demais.
O paralelo com 2009
O maior ponto de tensão é justamente esse: será que veremos outro “efeito Brawn GP”? A história mostra que revoluções regulatórias abrem brechas para surpresas — como a própria Red Bull em 2010 ou a Mercedes em 2014. A diferença é que agora, além da aerodinâmica, entra em jogo uma variável inédita: combustíveis 100% sustentáveis, que podem bagunçar ainda mais a hierarquia.
“Se em algum momento eu estiver convencido de que já chegamos lá, é o começo do fim”, concluiu Vasseur, mostrando que a Ferrari encara 2026 como uma maratona de evolução, não como um sprint em busca de um truque milagroso.
A fala de Vasseur carrega um aviso importante: 2026 pode ser o ano em que a Fórmula 1 revive um de seus traços mais marcantes — a alternância de forças inesperadas. Assim como no embate entre turbos e aspirados dos anos 80, ou no efeito Brawn GP de 2009, a nova era híbrida promete devolver à categoria a imprevisibilidade. Para a Ferrari, a missão é clara: não esperar por milagres, mas construir passo a passo um carro capaz de responder a cada variável desse cenário em mutação.
