Helmut Marko fora da Red Bull: indispensável no passado, incompatível com o futuro da F1

Helmut Marko sai após duas décadas de títulos, decisões brutais e um método que fez da Red Bull uma potência — e um campo minado

A saída de Helmut Marko ao fim de 2025 encerra mais do que um vínculo contratual de duas décadas. Ela marca o fim definitivo de uma era da Fórmula 1 em que personagens podiam ser maiores que o discurso institucional, mais ruidosos que os departamentos de comunicação e mais decisivos do que conselhos executivos inteiros.

Marko nunca foi apenas um “consultor técnico”, como diziam os comunicados de imprensa da Red Bull. Isso sempre foi um eufemismo confortável. Na prática, ele foi o curador de talentos mais influente da Fórmula 1 moderna, o guardião do DNA esportivo da Red Bull e, ao mesmo tempo, o seu maior problema de imagem nos últimos anos. Um paradoxo ambulante — e talvez por isso tão difícil de substituir.

É impossível olhar para o grid atual sem enxergar sua marca. Vinte pilotos chegaram à Fórmula 1 sob seu radar. Sete deles estavam no grid de 2025. Dois se tornaram múltiplos campeões mundiais. Poucos dirigentes, se é que algum, podem reivindicar impacto semelhante de forma tão direta. Sebastian Vettel e Max Verstappen não são apenas campeões da Red Bull. São produtos de um método brutalmente meritocrático, muitas vezes cruel, mas inegavelmente eficaz.

E aqui está o ponto central: a Red Bull venceu porque foi, durante muito tempo, diferente do resto da Fórmula 1. Menos protocolar, menos política, menos diplomática. Marko personificava isso. Onde outros ponderavam, ele cortava. Onde outros protegiam, ele testava no limite. Muitos ficaram pelo caminho — e isso nunca o incomodou.

Mas o esporte mudou. E a Red Bull também.

SAO PAULO, BRAZIL - NOVEMBER 03: Oracle Red Bull Racing Team Principal Christian Horner and Oracle Red Bull Racing Team Consultant Dr Helmut Marko celebrate Max Verstappen of the Netherlands and Oracle Red Bull Racing's win in parc ferme during the F1 Grand Prix of Brazil at Autodromo Jose Carlos Pace on November 03, 2024 in Sao Paulo, Brazil. (Photo by Mark Thompson/Getty Images) // Getty Images / Red Bull Content Pool // SI202411030466 // Usage for editorial use only //
Foto: Red Bull Content Pool

A morte de Dietrich Mateschitz retirou o último escudo político de Marko. A saída de Christian Horner desmontou o eixo de poder que sustentava aquele projeto original. O novo ciclo que se desenha para 2026 — com Laurent Mekies, nova unidade de potência junto a Ford e uma Red Bull mais corporativa — simplesmente não comporta mais um personagem que fala o que pensa antes de ponderar as consequências.

As controvérsias, que sempre existiram, passaram a pesar mais do que os acertos. Comentários sobre etnia, julgamentos públicos de jovens pilotos, declarações que hoje viralizam em minutos e custam caro para marcas globais. O que antes era visto como “estilo Marko” passou a ser risco reputacional.

Sua saída, portanto, não é uma derrota pessoal. É um desencontro histórico.

Isso explica também por que Max Verstappen não deve sair junto. Marko foi essencial para a formação do piloto, para sua chegada precoce à Fórmula 1 e para a construção de sua mentalidade competitiva. Mas Verstappen já não depende mais de Marko — nem tecnicamente, nem politicamente. Ele depende de um ambiente que lhe permita vencer. E, goste-se ou não, a Red Bull ainda oferece isso.

BAKU, AZERBAIJAN - SEPTEMBER 21: Race winner Max Verstappen of the Netherlands and Oracle Red Bull Racing celebrates with Dr Helmut Marko, Team Consultant of Oracle Red Bull Racing and the Oracle Red Bull Racing team in parc ferme during the F1 Grand Prix of Azerbaijan at Baku City Circuit on September 21, 2025 in Baku, Azerbaijan. (Photo by Mark Thompson/Getty Images) // Getty Images / Red Bull Content Pool // SI202509210475 // Usage for editorial use only //
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Quando Marko diz que Max busca “harmonia”, ele está sendo honesto. Verstappen amadureceu. Não precisa mais de um padrinho. Precisa de estabilidade, performance e clareza de projeto. A Red Bull de 2026 promete isso, mesmo sem o seu personagem mais explosivo.

O mais curioso é que Marko sai no momento em que talvez tenha vivido, esportivamente, um de seus anos mais complexos. Verstappen perde o título por dois pontos, mas entrega uma temporada que o próprio Marko classifica como uma das melhores da carreira do holandês. É o tipo de leitura que só alguém profundamente conectado à essência da pilotagem consegue fazer — separar performance de resultado.

Helmut Marko deixa a Fórmula 1 como entrou: sem pedir licença e sem tentar ser consensual.

Seu legado não é limpo, nem deveria ser. Ele é feito de títulos, decisões acertadas, talentos lapidados. E de ruídos, conflitos e excessos, muitos excessos. Mas a história da Fórmula 1 não é escrita por personagens confortáveis. É escrita por figuras que empurram limites, e Marko fez isso como poucos.

A Red Bull seguirá em frente. Provavelmente mais estável, mais organizada, mais palatável. Resta saber se será tão ousada quanto foi quando Helmut Marko estava lá dentro.

Porque gênios se substituem. Personalidades, raramente. Doa a quem doer.



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