Mintzlaff assume o discurso da ruptura, relativiza perdas e trata a reformulação como parte da nova era da Fórmula 1
A última temporada da Fórmula 1 marcou não apenas o fim do domínio esportivo absoluto da Red Bull, mas também o encerramento simbólico de um ciclo interno que moldou a equipe por quase duas décadas. Em pouco mais de 18 meses, o time de Milton Keynes viu sair figuras centrais de sua identidade: Adrian Newey, Jonathan Wheatley, Christian Horner e, por fim, Helmut Marko. Para muitos no paddock, o cenário seria suficiente para acender sinais de alerta. Para a Red Bull, não.
Quem verbaliza essa leitura é Oliver Mintzlaff, CEO do grupo desde a morte de Dietrich Mateschitz, em 2022. Em entrevista ao jornal De Telegraaf, o dirigente foi direto ao tratar da saída em série de nomes de peso:
“Eu não estou preocupado. Porque eu sei que estamos substituindo todas essas pessoas de forma adequada.”
A declaração não é apenas defensiva. Ela revela uma mudança de filosofia. Mintzlaff reconhece que a perda de referências históricas gera desconforto, especialmente em culturas mais conservadoras dentro do esporte. Mas deixa claro que, para ele, a ruptura é parte do processo.
“Na Alemanha e na Áustria — e talvez também na Holanda — vejo que as pessoas geralmente não gostam de mudanças. Mas eu gosto. Porque sei que isso nos torna melhores. E, sim, às vezes é preciso sair um pouco da zona de conforto.”
Essa visão ajuda a explicar por que a Red Bull tratou como natural um processo que, externamente, pareceu traumático. O time encerrou a era dos carros de efeito solo como protagonista absoluto, perdeu o título de pilotos com Max Verstappen em Abu Dhabi e assistiu à McLaren conquistar sua primeira dobradinha desde 1998. Ao mesmo tempo, internamente, decidiu que não bastava esperar a virada técnica de 2026 para reagir.
A demissão de Horner, em julho, foi o ponto de inflexão mais visível. Embora o britânico tenha sido absolvido das acusações de comportamento inadequado feitas por uma funcionária, o ambiente político e esportivo já estava deteriorado. Mintzlaff evita personalizar a decisão, mas deixa claro que ela foi fruto de uma avaliação objetiva de desempenho e liderança.
“Eu realmente não vou mudar nada se acho que tudo está indo bem”, explicou.
“No ano passado, já vimos que algumas coisas estavam começando a dar errado. Então você dá às pessoas responsáveis a chance de virar o jogo neste ano.”

Segundo ele, a Red Bull não age por impulso nem reage a resultados isolados.
“Eu não vou simplesmente apertar o botão depois de duas ou três corridas ruins. Mas julho foi o momento certo para fazer o que fizemos.”
Nesse contexto, a saída de Marko, anunciada após o GP de Abu Dhabi, aparece menos como ruptura e mais como encerramento natural de ciclo. Marko foi peça-chave na construção do programa de jovens pilotos e na ascensão de Verstappen, mas também representava um estilo duro, confrontacional e, em muitos momentos, desalinhado com a imagem que a Fórmula 1 tenta projetar na nova era.
A chegada de Laurent Mekies como novo chefe de equipe simboliza essa transição. A Red Bull que se prepara para 2026 — com novos regulamentos, nova parceria de motores e uma FIA declaradamente menos tolerante à exploração de brechas — parece buscar menos confronto e mais integração institucional.
No fundo, o discurso de Mintzlaff deixa clara a aposta: a Red Bull não quer apenas sobreviver à virada regulatória. Quer se reinventar junto com ela. E, para isso, aceita pagar o preço de abandonar ícones do passado em nome de uma estrutura que considere mais compatível com a Fórmula 1 que está por vir.
