Em Las Vegas, britânico relembra a estreia, detalha evolução mental e explica por que 2025 é o ano mais completo de sua carreira.
Lando Norris chega a Las Vegas carregando um número simbólico na carreira: será sua corrida número 150 na Fórmula 1, todas pela McLaren. Para ele, não é apenas um marco estatístico, mas uma espécie de linha imaginária que separa a fase do piloto talentoso que ainda buscava conversão em resultados daquele que finalmente atingiu o ápice de sua forma — mental, técnica e competitiva — justamente na temporada em que lidera o campeonato com autoridade.
O próprio piloto reconhece o peso do marco. “É louco. 150 corridas… e 150 só com a McLaren. Ainda lembro perfeitamente da minha estreia na Austrália em 2019. Não parece que faz tanto tempo”, disse Norris durante coletiva em Vegas. Ele ainda citou o triunfo em Silverstone como momento máximo: “Silverstone este ano é provavelmente minha conquista mais orgulhosa. É a corrida que eu mais queria vencer na vida.”
Talvez por isso, ao relembrar a estreia na Austrália em 2019 ou o sonho infantil de se tornar piloto, ele tenha reagido com um misto de nostalgia e pragmatismo. Lando sabe que a vida na F1 muda rápido demais para viver de memórias, mas a sensibilidade apareceu nas pequenas confissões: ainda se vê, às vezes, jovem demais para ter 150 GPs; ainda se surpreende com a grandiosidade do que conquistou.
É justamente essa combinação entre passado e presente que molda a versão atual de Norris: veloz, consistente e mentalmente estável. Liderar o campeonato não o surpreende tanto pelo resultado, mas pelo processo. “Eu certamente aproveito o momento, mas sigo tratando tudo corrida a corrida”, explicou. “Às vezes você está tão focado em treinos, classificação e corrida que esquece até que está disputando um Mundial. E quando você lembra, parece insano, porque sempre foi meu sonho.”

O ponto, porém, é que essa temporada expôs um Norris diferente — não porque de repente encontrou “um grande segredo”, mas porque, nas palavras dele, aprendeu a lidar com as partes invisíveis do trabalho. Ele admite que o começo de 2025 foi difícil. A McLaren ainda oscilava, o carro exigia adaptações finas de pilotagem, e ele próprio se via preso em um ciclo de autocrítica que o deixava sem respostas claras. Foi exatamente essa fase ruim, segundo ele, que serviu de fundação para o piloto que agora lidera o campeonato. Não houve epifania, não houve estalo mágico pós-Zandvoort, como muita gente tentou transformar em narrativa. Houve, sim, trabalho: mais dedicação ao simulador, mais tempo burilando detalhes com engenheiros, mais maturidade nas reações a dias ruins e, principalmente, mais consistência emocional para virar sessões ruins no próprio fim de semana.
“É difícil não fazer um trabalho melhor do que fiz no começo da temporada”, disse. “Eu realmente tive dificuldades no início do ano. Em alguns momentos eu saía de classificações completamente perdido, sem resposta, sem saber o que precisava fazer.” A virada, segundo ele, não foi um momento isolado, mas uma sequência de pequenas correções — de estilo de pilotagem, preparação mental e rotina de trabalho. “Não teve um clique mágico. Teve trabalho. Muita coisa no simulador, com a equipe, entendendo melhor os procedimentos.”
É curioso: enquanto o mundo fala sobre liderança, vantagem de pontos e favoritismo, Norris fala sobre processo. Ele insiste que não pensa em título, que não muda nada no comportamento por causa da tabela, que segue correndo uma sessão por vez. E, de certa forma, isso é verdade — não como frase feita, mas como método. Ele reconhece que a maior evolução do ano não está na volta lançada, nos “micro ajustes” da McLaren ou nas atualizações aerodinâmicas que transformaram o time no melhor carro da temporada. Está na cabeça. Na capacidade de não desmoronar com uma classificação ruim. Na confiança de que, mesmo sem entender tudo de imediato, pode reverter um domingo — porque já fez isso várias vezes. Essa convicção não existia há dois anos.
“O que tem funcionado para mim é ir flat, fugir da confusão, manter agressividade. Não é o momento de pensar em controlar campeonato”, afirmou. “Venho aqui para tentar vencer. Nada muda.”

Norris também explicou como passou a administrar melhor os maus dias — talvez o tema mais profundo da coletiva. “Antes eu me derrubava muito rápido. Era negativo demais quando tinha um dia ruim”, admitiu. Agora, porém, sua atitude é outra: “Mesmo quando começo mal, não entro mais no negativo. Já virei fim de semana ruim antes. Isso te dá confiança. A sensação de: ‘eu já virei isso antes, posso virar de novo’.” Dessa forma, ele construiu a consistência emocional que faltava para transformar velocidade em resultado.
Próximo dos 150 GPs, Norris também se permite olhar um pouco para o entorno. Ele fala sobre como é estranho ter crescido tão rápido, como é fácil perder a noção do privilégio de estar ali, viajando pelo mundo, brigando por pódios e vitórias. Só percebe quando alguém o lembra — como aconteceu na primeira pergunta da coletiva. E aí surge outra faceta interessante: o piloto que sempre pareceu o mais extrovertido da nova geração está mais reservado, mais focado, mais profissional. A relação com Piastri continua ótima, segundo ele, mas os dois pediram para reduzir vídeos descontraídos. “Somos pilotos, estamos aqui para correr”, disse, sem rodeios. Não é distanciamento, é direcionamento.
Tecnicamente, Norris também reconhece que o carro melhorou, mas faz questão de atribuir a maior parte do ganho ao próprio entendimento. “A gente mudou algumas coisas, mas nada que transformasse completamente. Muito disso é adaptação. Toda semana o carro pede algo diferente. Eu tive que aumentar meu nível, entender mais rápido, trabalhar mais.” Ele ainda comentou que seu julgamento — tanto em classificação quanto em corrida — está mais refinado do que nunca: “Estou executando melhor as voltas, largando melhor, reiniciando melhor. As coisas pequenas fazem diferença.”
Mesmo a comparação com o período de fragilidade foi tratada com lucidez. “A maior parte do que estou colhendo agora vem do começo do ano. Eu quase fico feliz por ter tido um início ruim, porque isso me forçou a trabalhar mais e me entender melhor.”

É nesse equilíbrio que o líder do campeonato parece ter encontrado o ponto ideal da carreira. Ele ainda é o garoto que vibrou em Silverstone como se tivesse vencido o mundo, mas também é o profissional que reconhece quando precisa frear a própria ansiedade. Ainda sente nervosismo, ainda tem dias ruins, ainda estranha mudanças de comportamento do carro. Mas agora sabe navegar tudo isso sem se perder.
A verdade é que há pilotos rápidos e pilotos prontos. Norris sempre foi o primeiro. Aos 150 GPs, está, enfim, se tornando o segundo. E é exatamente essa diferença — discreta, psicológica, quase imperceptível para quem só vê de fora — que explica por que ele chega a Las Vegas como líder do campeonato, dono da temporada mais sólida de sua vida e, finalmente, um candidato legítimo ao título mundial.
Números de Norris na F1:
Corridas – 149
Poles – 15 (6 em 2025)
Vitórias – 11 (7 em 2025)
