Por que o GP do Catar terá duas paradas obrigatórias — e por que isso não tem relação com o debate da Comissão da F1
A decisão da Pirelli de limitar cada jogo de pneus a um máximo de 25 voltas no GP do Catar 2025 reacendeu discussões sobre estratégias, segurança e até sobre possíveis mudanças futuras no regulamento da Fórmula 1. Mas, apesar das coincidências de calendário, a medida não tem qualquer ligação com o debate recente da Comissão da F1 sobre a possibilidade de implementar duas paradas obrigatórias no futuro. O limite de voltas em Lusail não nasce de uma intenção esportiva, e sim de um problema técnico recorrente — e comprovado — do circuito.
Segundo relatório enviado à FIA, à F1 e às equipes, a Pirelli tomou essa decisão com base na análise detalhada dos pneus usados na edição de 2024. No ano passado, os compostos, especialmente os dianteiros esquerdos, chegaram ao limite máximo de desgaste estrutural, apresentando fadiga elevada por conta da abrasividade do asfalto e das altíssimas cargas laterais de Lusail, um dos traçados mais exigentes para os pneus em todo o calendário. Esses fatores levaram a fabricante a recomendar que cada jogo não excedesse 25 voltas. Com uma corrida de 57 voltas, isso torna duas paradas obrigatórias uma consequência natural — não uma imposição artificial da FIA.
O histórico reforça essa leitura. Em 2023, quando zebras agressivas criaram microfissuras na estrutura dos pneus, a Pirelli já havia imposto um limite ainda mais restritivo de 18 voltas por stint. Ou seja, em três anos consecutivos, Lusail exigiu intervenções extraordinárias por razões exclusivamente técnicas. A repetição demonstra que o problema está no circuito, não em qualquer manobra esportiva. Essas limitações existem para evitar falhas estruturais em um ambiente no qual os pneus enfrentam forças brutais — curvas de alta com G lateral extremo, diferenças térmicas grandes entre asfalto e ar e uma superfície excessivamente abrasiva.

Além disso, todas as voltas percorridas ao longo do fim de semana — treino livre, classificação sprint, sprint race e classificação principal — entram na conta da vida útil do pneu, assim como voltas sob Safety Car ou Virtual Safety Car. Apenas voltas de saída para o grid, formação e retorno aos boxes após a bandeirada ficam de fora. Na prática, isso significa que equipes terão de planejar o domingo com uma margem ainda mais apertada. A Pirelli disponibilizará os compostos mais duros da gama (C1, C2 e C3), exatamente como fez em 2024, reforçando o caráter conservador da escolha e reconhecendo que Lusail não tolera riscos.
Diante dessa repetição, surgiram interpretações sugerindo que a medida seria uma forma indireta de “testar” ou “reforçar” a ideia das duas paradas obrigatórias, justamente porque a Comissão da F1 discutiu esse tema na última reunião. Mas essa leitura não se sustenta. A Comissão não tomou nenhuma decisão — nem aprovou, nem rejeitou — e deixou o assunto para estudo em 2026, quando os novos carros entrarão em ação. A justificativa é simples: com um regulamento totalmente novo, alterações aerodinâmicas profundas, um sistema híbrido completamente revisado, o fim do DRS tradicional e uma distribuição energética inédita, a categoria precisa observar como as corridas irão se comportar antes de determinar mudanças estruturais como obrigatoriedade de pit stops. Não há pressa, não há consenso e não há ligação com o GP do Catar.
O ponto central é que o limite de 25 voltas não nasce de uma intenção de moldar o espetáculo. Nasce de um risco técnico real, documentado, recorrente e específico de Lusail. As cargas que o circuito impõe aos pneus exigem protocolos diferentes dos demais GPs — e essa necessidade independe de qualquer discussão política ou esportiva. A coincidência de datas entre a limitação no Catar e o debate na Comissão simplesmente não transforma uma exigência de segurança em experimento regulatório.
Assim, o GP do Catar terá duas paradas obrigatórias porque Lusail continua sendo um dos ambientes mais severos para qualquer pneu de Fórmula 1. E, como já ficou claro em 2023 e 2024, quando a integridade do composto está em risco, a Pirelli age — independentemente do que esteja sendo discutido nos escritórios da FIA.
