Entre lágrimas, dúvidas e honestidade: como Lando Norris conquistou o mundo

Entre erros do início do ano, reinvenção mental e um segundo turno impecável, Norris conquistou o título prezando consistência e identidade.

Lando Norris finalmente é campeão mundial de Fórmula 1. Mas, mais do que um novo nome na galeria de campeões, o britânico da McLaren inaugura um tipo diferente de protagonista: um piloto que fala abertamente sobre fragilidade, que não se alimenta de guerra de egos e que faz questão de repetir que não venceu “sozinho”. Em um paddock acostumado a narrativas de sobre-humano, Norris escolheu conscientemente o caminho oposto – e, ainda assim, chegou ao topo.

Logo depois da corrida decisiva, ainda no parque fechado, ele deixou claro onde tudo começa: em casa. “Antes de tudo, quero agradecer muito aos meus colegas, a todos na McLaren, aos meus pais. Eu não estou chorando. Minha mãe, meu pai, sabe, eles são quem me apoiaram desde o começo. Ah, eu pareço um perdedor!” A frase mistura choro, autoironia e gratidão em poucos segundos – e resume bem o campeão que a F1 ganhou em 2025.

Nas declarações seguintes, em coletiva de imprensa, o discurso só se aprofundou. Norris insistiu na ideia de que o título não é um troféu individual, mas uma recompensa para todos que o trouxeram até aqui: “Essas últimas voltas foram exatamente isso. Elas me levaram de volta a onde tudo começou, porque eu não estaria aqui sem meus pais e os sacrifícios que eles fizeram. E este não é o meu campeonato mundial. É o nosso. O que me faz sorrir todos os dias é deixar meus pais orgulhosos, deixar meus amigos orgulhosos”. Em vez do clássico “eu provei que sou o melhor”, Norris fala de pais, amigos e de uma construção coletiva que atravessa categorias de base, frustrações e noites mal dormidas.

Lando Norris (GBR) McLaren on the grid.
Foto: XPB Images

Jornada emocional: pais, sacrifícios e vulnerabilidade

Isso não significa que o caminho até esse título tenha sido suave. O próprio Lando admite que o começo de temporada flertou perigosamente com o fracasso – e com a dúvida interna. “Eu tive muitos momentos difíceis no começo da temporada, inha primeira metade do ano — não a mais impressionante. Certamente, momentos em que cometi alguns erros, fiz julgamentos ruins. Mas como consegui virar tudo isso e ter a segunda metade de temporada que tive é o que me deixa muito orgulhoso — porque consegui provar para mim mesmo que eu estava errado.” Tem uma chave importante aqui: ele não fala em calar críticos, nem em “provar para o mundo”. O alvo era outro: ele mesmo.

Norris deixa claro que, em determinado momento, olhou para a tabela e não viu um líder em construção – viu um problema. “Havia dúvidas que eu tinha no começo do ano, e eu provei para mim mesmo que estava errado.” E completa: “Isso não me deixava relaxar. Tipo, quando eu vejo 34 pontos contra um cara que está no mesmo carro, que está fazendo um trabalho incrível, que eu sei que é incrivelmente rápido, isso não me enche de confiança. Eu pensei: ‘Putz, estou bem atrás contra um piloto muito, muito rápido, e preciso elevar meu nível.’” É a admissão nua e crua de que a pressão maior vinha justamente da comparação interna com Oscar Piastri – um companheiro forte, jovem e em ascensão.

A virada mental e técnica: o pós-Zandvoort como ponto de ruptura

A virada, portanto, não foi só técnica. Foi mental. “Eu tive que cavar fundo e tentar entender mais coisas, mais rápido e de um jeito mais avançado do que jamais fiz antes. A dificuldade no começo realmente me permitiu destravar meu potencial depois.” Em outras palavras: a parte feia do campeonato — erros, más leituras, pontos jogados fora — virou combustível para o segundo turno da temporada, exatamente aquele em que ele precisou ser quase impecável para segurar Max Verstappen e o próprio Piastri.

Race winner Valtteri Bottas (FIN) Mercedes AMG F1 celebrates on the podium with Lando Norris (GBR) McLaren.
Foto: XPB Images

“Ganhei do meu jeito”: ética de pilotagem e identidade

Se o Norris da primeira metade do ano parecia às vezes tímido demais na pista, o campeão de 2025 faz questão de afirmar que o título veio sem trair sua essência. “Eu acredito que venci o campeonato este ano do meu jeito. Sendo um piloto justo, tentando ser um piloto honesto. Em alguns momentos, eu poderia ter sido mais agressivo, largado o freio e passado algumas pessoas? Certamente poderia, mas eu precisava fazer isso este ano? É assim que quero correr? Esse não sou eu.”

Numa F1 acostumada a discutir “hard racing” e limites de agressividade a cada domingo, Norris escolhe outra linha: vencer sem virar um personagem que ele não reconhece no espelho.

Ele mesmo leva isso ao extremo quando cita outros campeões. “Eu sinto que consegui vencer do jeito que queria vencer, que era não sendo alguém que eu não sou. Não tentando ser tão agressivo quanto Max ou tão impositivo quanto outros campeões foram no passado. Eu apenas venci do meu jeito. Estou feliz por poder tentar, ser eu mesmo e vencer à moda Lando, como o Andrea diria.”

(L to R): Race winner and World Champion Max Verstappen (NLD) Red Bull Racing celebrates in parc ferme with Lando Norris (GBR) McLaren.
Foto: XPB Images

Respeito aos gigantes, mas consciência do próprio nível

Isso não significa que falte confiança ou consciência do próprio nível. Pelo contrário. “Eu certamente sinto que, em alguns momentos, pilotei melhor do que acho que outras pessoas conseguiriam. E sinto que pilotei em um nível que acho que outros não podem alcançar. Mas também cometi meus erros? Cometi mais erros do que outros às vezes? Sim. Há coisas que o Max faz melhor do que eu às vezes? Sim. Eu acho que ele é imbatível? Não.”

Mas, de novo, Norris puxa a conversa para outro lugar quando o assunto é motivação. “Eu não estou aqui — sinceramente, como disse no começo — minha motivação não é provar que sou melhor que outra pessoa. Isso não é o que me faz feliz. Eu só fiz o que precisava fazer para vencer o campeonato mundial. Só isso. E deixei as pessoas ao meu redor felizes. É tudo o que realmente importa para mim no fim do dia.”

Quando o tema é legado, Norris mantém o pé no chão: “Eu tento dar o máximo de respeito possível ao Lewis (Hamilton) — ele é sete vezes campeão mundial. Ele é o melhor piloto — você compara com o (Michael) Schumacher — o melhor piloto que já existiu na Fórmula 1. Eu não estou nem perto disso. Talvez eu nunca esteja. Eu sonho com essas coisas.”

Race winner Lando Norris (GBR) McLaren celebrates with the team.
Foto: XPB Images

A corrida de Abu Dhabi: risco, calma e controle emocional

A corrida de Abu Dhabi também expôs esse Norris mais maduro na gestão de riscos. Ao mesmo tempo em que precisava garantir o título, ele se viu em situações de altíssima tensão – como a defesa dura de Yuki Tsunoda. “Você não tem como não pensar nisso. Mas, de qualquer forma, foi uma corrida longa até a bandeirada. Eu só continuei acelerando até as últimas duas ou três voltas; aí pude aliviar um pouco, mas ainda queria lutar até o fim, e foi isso que fizemos.”

Sobre a investigação: “Eu não fazia ideia [sobre a investigação]. Não fazia ideia. Eu não me importei. Quer dizer, eu sabia que o que fiz estava certo, então não tinha com o que me preocupar. Eu só estava tentando aproveitar o momento.”

E sobre o duelo com Tsunoda: “Nós sabíamos antes que o Tsunoda poderia tentar — tentar me segurar e dificultar minha vida como o (Sérgio) Pérez fez com o Lewis algumas temporadas atrás. Foi um pouco apertado. Ficou bem perto… Você pensa: ‘Caramba, se aquilo fosse cinco centímetros mais para dentro — acabou.’”

Há também o lado racional e quase clínico do fim da prova: “Eu parei de pegar zebras porque pensei: se isso fizer uma peça do carro soltar, acabou. ‘Devo tentar a volta mais rápida na última volta? Talvez não vale a pena.”

World Champion Lando Norris (GBR) McLaren celebrates with the team.
Foto: XPB Images

Por que Norris é um campeão legítimo?

No balanço final, Norris define o título com uma pergunta simples: ele entregou quando mais importava? “Eu me apresentei de forma consistente? Eu performei quando precisava, sob mais pressão? Depois de Zandvoort, eu voltei da maneira que precisava? Tive três, quatro fins de semana de ótimos resultados? Tive. E eu entreguei quando precisava entregar para vencer o campeonato mundial.”

E olha para o futuro: “Sinto que sou um piloto melhor agora, certamente, do que era no começo da temporada. E quando estou correndo contra o Max, um tetracampeão mundial, quando estou correndo contra o Oscar, um cara que em algum momento será campeão e provavelmente vai me vencer, eu estou entregando.”

No fim das contas, o título de Lando Norris é menos sobre dominar o mundo e mais sobre encontrar o próprio lugar dentro dele. Ele não é o campeão que promete atropelar a concorrência por uma década, nem o vilão perfeito para quem vive de estereótipos simples. É, antes de tudo, o cara que chora, ri, se questiona, fala de terapia, respeita os gigantes e, agora, entra para o seleto hall de campeões mundiais da Fórmula 1.



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