Quando se pensa na Fórmula 1 das últimas duas décadas, nomes como Lewis Hamilton, Sebastian Vettel, Max Verstappen e Fernando Alonso vêm rapidamente à mente. Mas há um nome que, embora não tenha guiado nenhum carro, comandou a sinfonia por trás de duas das maiores potências da era híbrida (2021) e da era pós-V8 (2009-2013): Christian Horner.
Sua saída da Red Bull, anunciada em 9 de julho de 2025, não representa apenas uma mudança na estrutura da equipe campeã de tudo. Representa o fim de um arquétipo de liderança, de um estilo de gestão e, mais do que isso, de uma era específica da Fórmula 1.
O maestro invisível
Horner chegou à F1 em 2005, aos 31 anos, como o chefe de equipe mais jovem da categoria. A Red Bull acabava de comprar a Jaguar e precisava de alguém que entendesse de corridas, pessoas e negócios — em qualquer ordem. O que se seguiu foi uma das maiores ascensões da história do automobilismo.
Ele foi o maestro invisível de um projeto que começou como uma provocação ao “sistema” da F1 — e que terminou como referência de excelência técnica e organizacional. De 2009 a 2013, liderou a equipe em sua primeira fase dominante com Sebastian Vettel e Adrian Newey. Depois de um recesso de alguns anos, retornou ao topo com Max Verstappen e uma operação cirurgicamente montada em torno do talento do holandês.
Horner não apenas venceu — ele construiu uma marca. E, em muitos aspectos, a Fórmula 1 moderna cresceu espelhada nessa marca.
O lado político do paddock
Christian Horner nunca foi neutro. Era, talvez, o mais aguerrido dos dirigentes. Sabia provocar, desestabilizar, atrair para si o foco da imprensa — enquanto protegia sua equipe do fogo cruzado. Quem acompanhou de perto as disputas com Toto Wolff sabe que Horner foi mais do que um técnico: foi um político da pista, um diplomata com sotaque ácido, uma presença constante nas reuniões estratégicas da FOM e da FIA.
Seu estilo era quase teatral, mas eficaz. Encarava microfones com a mesma frieza com que elaborava undercuts agressivos na estratégia de corrida. E sua habilidade de manter aliados próximos — como Adrian Newey, Helmut Marko e até mesmo Verstappen — mostrou-se essencial para o domínio da Red Bull.
Sua influência era tamanha que, mesmo em meio a crises internas, acusações públicas e pressões corporativas, Horner se manteve no comando por duas décadas. Isso não é comum. Nem em empresas. Muito menos na Fórmula 1.

A era da Red Bull é a era de Horner
É impossível dissociar a identidade da Red Bull Racing da figura de Christian Horner. Ele não apenas comandava: ele era a cara Red Bull.
A imagem de um time ousado, provocador, mas extremamente profissional e metódico nasceu com ele. E sua gestão redefiniu o que se espera de uma equipe moderna: não apenas rapidez nos boxes e acertos no carro, mas presença de marca, gestão de talentos, storytelling esportivo e influência política.
A Red Bull venceu com dois estilos distintos de piloto — Vettel e Verstappen — em duas eras completamente diferentes da F1. Isso só foi possível porque Horner adaptava a equipe à frente do tempo. Era obsessivo com performance, sim. Mas também era obcecado por influência.
O vácuo simbólico
Com a saída de Horner, o paddock perde um de seus personagens centrais. Não só pela liderança de resultados, mas pela habilidade em sustentar narrativas, mobilizar forças e, principalmente, fazer a Fórmula 1 ser mais do que uma corrida de domingo.
Ele foi chefe, porta-voz, arquiteto, marqueteiro, político e estrategista. Em muitos momentos, tudo isso ao mesmo tempo. E, mesmo com suas controvérsias — das tensões internas com Verstappen aos episódios externos envolvendo uma acusação de assédio sexual —, o que se perde agora é uma figura que sabia como ninguém fazer a F1 pulsar também fora das pistas.

O fim de uma era, sim
Christian Horner foi o último chefe de equipe “da velha guarda” que ainda conseguia coexistir com a nova F1 globalizada, digital, politicamente ajustada e gerida por planilhas de Excel. Sua Red Bull era um híbrido raro entre DNA rebelde e excelência corporativa. E isso morreu junto com sua saída.
Não foi apenas o desfecho de um ciclo esportivo, mas o colapso de uma arquitetura de poder construída ao longo de duas décadas. Em 2025, com o time em queda técnica, o ambiente interno fragmentado e a pressão crescente do clã Verstappen, Horner viu sua base de sustentação ruir. A perda de nomes-chave como Adrian Newey e Jonathan Wheatley aprofundou seu isolamento, ao passo que o conselho da Red Bull passou a questionar o modelo centralizador que por tanto tempo sustentou os resultados. Acusações externas e atritos nos bastidores — ainda que oficialmente contornados — corroeram sua autoridade.
Para muitos, Horner já não representava mais a solução, mas o entrave. Sua queda, ainda que impactante, não foi abrupta. Foi uma erosão silenciosa, marcada pela deterioração de alianças e pela inevitabilidade de uma mudança num projeto que agora se prepara para a F1 de 2026. O homem que por tanto tempo desafiou o sistema da Fórmula 1, ironicamente, foi vencido por um novo: o da Red Bull sem ele.
Laurent Mekies, anunciado para o seu lugar, pode ser um gestor competente. A Red Bull pode voltar a vencer. Max Verstappen ainda pode ser campeão. Mas a Red Bull de Horner, com seu tom provocador, seu charme corporativo e sua alma de garagista que deu certo, não voltará mais.
E é por isso que não estamos falando apenas de uma troca de comando. Estamos falando do fim de uma era da Fórmula 1.
