Coluna do Rafael Ligeiro: A sólida imagem de Senna

Capas de cadernos, placas publicitárias, camisas, jornais, revistas, sites, jogo beneficente. Matérias especiais na televisão, carenagem da Jordan, miniaturas, adesivos, livros, CDs, pôsteres. A imagem de Ayrton Senna da Silva está em muitos objetos, atividades e lugares. E o mais impressionante desse cenário é quando paramos para pensar e constatamos: “Lá se foram 10 anos sem ele”.

Inegavelmente houve diversas alterações no automobilismo, especialmente na Fórmula 1 desde aquele fatídico 1o de maio de 1994. Os conceitos de segurança não são mais os mesmos e apenas quatro pilotos do elenco daquele ano continuam na categoria. No quesito técnico, os motores passaram de 3.5 para três litros, os pneus mudaram de diâmetro e ganharam quatro ranhuras. O bico dos carros ficou mais alto, lembrando o Benetton com qual Schumacher perseguia Senna rumo a Tamburello. Até a fatídica curva ganhou desenho diferente. Entretanto há algo que não muda. Mais que as conquistas, Ayrton Senna é cultuado pela sólida imagem que construiu na categoria.

Em 55 anos, somente o brasileiro, Juan Manuel Fangio e Jim Clark conseguiram inscrever seus nomes de maneira indissociável da categoria. Alguns dos recordes de Fangio, obtidos nos primórdios da F-1, duraram diversas décadas. O penta, por exemplo, só foi batido no ano passado. Mais que isso, a precisão na pilotagem o fazia um piloto muito à frente dos demais. Precisão que também era palavra certa no estilo de guiar de Jim Clark. Sujeito de origem rica, Jim foi descoberto por Colin Chapman durante uma prova em clube e convidado para guiar na Lotus. Venceu dois campeonatos, as 500 Milhas de Indianapolis de 1965, e acabou superando as marcas de vitórias e poles de Fangio – Clark morreu durante uma prova de Fórmula 2, em 1968.

Entretanto, Senna teve uma capacidade diferente para cativar seus fãs. O estilo arrojado e do “nunca está perdido” de pilotar era um contraste ideal com o povo de seu país. Aliás, Ayrton era patriota de carteirinha e há quem me garanta que assistia as corrias apenas à expectativa de vê-lo dando uma volta com a bandeira tupiniquim após suas vitórias. Esse sentimento partia numa época delicada para o Brasil. Mesmo com o retorno da democracia, em 1985, o país que tentava tomar um bom rumo sofria com 30% de inflação mensal e submergia-se a cada plano monetário.

Assim como havia ocorrido com a seleção de futebol, em 1970, quando o país era regido pela dureza do regime militar, o Brasil novamente precisava de um herói, um ídolo. E o povo escolheu Ayrton.

Na verdade, o tricampeão acabou selecionado por diversas nações. Certa vez, o brasileiro confessou ter ficado surpreso com o carinho recebido pelo público na Itália. Achava que por não guiar para a Ferrari era odiado. E, de fato, sempre foi difícil ver uma manifestação de carinho da tífosi para um piloto que não fosse da escuderia de Maranello. Outro país que lhe adotou foi o Japão. Além de ter disputado quatro títulos em Suzuka, Senna obteve três dos cinco triunfos da Honda como fornecedora de motores. Durante os GPs, quando não cercado por repórteres, era por torcedores, enlouquecidos, em busca ao menos de um autógrafo do ídolo. Os compromissos comerciais também eram diversos.

Logicamente, Senna não foi um “santinho”. Mas o homem alcançou tamanho estágio de sucesso e simpatia que até mesmo os erros não pareciam repercutir de maneira negativa. A rivalidade com Alain Prost atingiu um nível inaceitável e culminou com a decisão de 1990, em Suzuka, quando o brasileiro faturou o bicampeonato ao bater na traseira da Ferrari do francês. Atitude antidesportiva, claro. Mas o pensamento quase unânime é:

“Foi Prost quem provocou em 1989”.

Há pessoas que nascem para serem pilotos bons, ótimos ou mitos. E com Ayrton Senna quis o destino à terceira opção.