Petrobras, 100 GPs com a Williams

Em 1998, no GP da Inglaterra, a Williams disputou a prova com gasolina brasileira produzida pela Petrobras. Desde então, a empresa desenvolve e fornece o combustível utilizado pelos carros da escuderia. No domingo passado, em Indianápolis, nos EUA, a Petrobras e a Williams celebraram o 100º GP disputado em parceria.

O resultado desse trabalho, porém, não ficou restrito aos autódromos internacionais. A parceria com o time de Grove serviu de laboratório para a Petrobras oferecer ao consumidor brasileiro a melhor gasolina já produzida no país. Graças à tecnologia que desenvolveu o combustível para a equipe inglesa, a Petrobras lançou, em 2002, a gasolina Podium. Com isso, a companhia brasileira se antecipou às tendências mundiais, tornando disponível ao consumidor uma gasolina com padrão ambiental que a Europa e os Estados Unidos só exigirão a partir de 2005.

Um dos pioneiros desse trabalho é o engenheiro Rogério Gonçalves, do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras, que acompanhou de perto cada capítulo dessa história de sucesso. Antes do início do projeto, Rogério era apenas um fã de automobilismo, acostumado a assistir à F-1 como qualquer brasileiro: pela televisão. “O máximo que eu havia me envolvido até então foi como comissário de pista em algumas provas regionais de outras categorias no autódromo do Rio de Janeiro, além de assistir a duas corridas na arquibancada”, lembra o engenheiro.

Hoje, Rogério é o braço técnico da Petrobras na Williams, onde é considerado quase um integrante da equipe. Para o coordenador de patrocínios esportivos da Petrobras, Claudio Thompson, a parceria com a Williams aumentou ainda mais a importância do Brasil na história da F-1. “O automobilismo mundial, que já conhecia o valor do piloto brasileiro, também passou a conhecer a qualidade e a tecnologia da gasolina produzida no Brasil”, afirma Claudio.

O engenheiro Rogério Gonçalves, representante da Petrobras junto à Williams, fala sobre a história da parceria, o trabalho realizado para levar a gasolina ao time inglês e a importância da qualidade do combustível para garantir um bom desempenho nas pistas.

Quais foram as principais dificuldades no começo do relacionamento com a equipe inglesa?

Rogério Gonçalves – Com os ingleses não tivemos muitos problemas, pois já haviam se informado sobre a Petrobras e confiavam na nossa capacitação. O maior problema foi com os franceses da Renault, que fornecia motores para a Williams naquela época através da Mecachrome. Foi muito difícil fazer com que testassem nosso produto, pois era muito confortável para eles continuar com a mesma gasolina que vinham utilizando. Além disso, a Renault fornecia motores para outra equipe, o que a obrigaria a desenvolver os motores com duas gasolinas diferentes. Após muita insistência nossa e do Frank Williams, testaram nossas amostras. Assim que obtivemos um produto com melhor desempenho, a própria Williams intimou a Renault a trocar imediatamente. A maior dificuldade e quase uma frustração foi a desconfiança aqui no Brasil quanto à veracidade do fornecimento de gasolina brasileira para a Williams. Nunca omitimos informações e até divulgamos que somente em julho/98 a gasolina realmente estreou nas pistas.

Como é realizado o percurso da gasolina desde a produção até o tanque dos carros? Quantos litros de combustível a Petrobras fornece anualmente à Williams e quanto um carro consome por GP?

RG – Depois que temos uma fórmula já testada e aprovada pela BMW, prepara-se uma grande quantidade dessa gasolina para atender as corridas, treinos e enviar para a fábrica da BMW para utilizá-la no desenvolvimento dos motores. Esse preparo é feito passo a passo, com muito cuidado e precisão, misturando-se os diversos componentes exigidos pela receita aprovada. Após homogeneizar todos os componentes, a gasolina é minuciosamente analisada e uma amostra é enviada por via aérea ao laboratório da FIA, na Inglaterra, para aprovação. Recebido o laudo de homologação, ela é então armazenada para distribuição, que pode ser em tambores de 200 litros para transporte marítimo e rodoviário; em tambores de 60 litros para transporte aéreo; e em um iso-contêiner de 20 mil litros para transporte marítimo. Parte dos tambores de 200 litros e o iso-contêiner de 20 mil litros são transportados via marítima para um depósito na Alemanha para posterior distribuição rodoviária em treinos e corridas e envio a granel para a fábrica da BMW, em Munique. Outra parte dos tambores de 200 litros fica no Brasil para transporte via marítima para os GPs fora da Europa. Também fica armazenada no Brasil uma parte da gasolina em tambores de 60 litros, para eventual envio aéreo para alguma corrida e como estoque estratégico, caso haja algum problema nos transportes rodoviário e marítimo que exija um envio de emergência.

Você praticamente é integrante da equipe Williams e, certamente, ouve comentários a respeito do trabalho da Petrobras. Qual a opinião dos engenheiros ingleses sobre a gasolina brasileira?

RG – Desde o início da nossa parceria, sempre fomos muito respeitados tecnicamente. Também sempre elogiaram a nossa capacidade logística de atender prontamente a qualquer exigência. Até o final da temporada 2003, foram mais de 300 envios para pistas localizadas em vários continentes, sem qualquer atraso ou falha no fornecimento.

Você tem um bom relacionamento com Frank Williams. Como foi seu primeiro encontro com o dono da equipe inglesa?

RG – Meu primeiro encontro com Frank Williams foi em 1997, em nosso primeiro contato com a Williams. Na época, um grupo de pessoas da Petrobras fez visita à várias equipes de F-1, já visando a um possível fornecimento. Não vou dizer que somos amigos, mas ele é uma pessoa fantástica e temos um relacionamento muito cordial. Sua objetividade no trato profissional é admirável e nunca o veremos perdendo tempo com “abobrinhas”.

Em Indianápolis, a parceria entre Petrobras e Williams completou o 100º GP e você acompanhou cada capítulo dessa história. Em sua opinião, qual foi o pior e o melhor momento nessa trajetória?

RG – Foram vários bons momentos: a estréia da gasolina, a primeira vitória com Ralf (Schumacher) em Ímola/2001, a primeira “dobradinha” da equipe na Malásia em 2002 e também a vitória em Mônaco. O pior momento foi, sem dúvida, quando a equipe quase foi desclassificada no GP do Brasil em 2001, por causa de uma possível não conformidade na gasolina analisada após os treinos. Embora o problema ocorrido e a dúvida em relação à amostragem da gasolina em nada tivessem relação com a Petrobras, sabíamos que aquilo poderia prejudicar nossa imagem. Após reuniões com Patrick Head e Sam Michael, decidimos por uma tática junto ao diretor-técnico e comissários da FIA, que isentaram a equipe de qualquer punição.

Quais são as principais características da gasolina da Petrobras nesta temporada de 2004?

RG – A característica principal é sempre a maior potência possível com o menor consumo. Mas aliado a isso há algumas características do regulamento que nos desafiam a novos desenvolvimentos, como: estudo de novos aditivos para ajudar o motor a resistir a todo o GP (isso significa 800 quilômetros), teor baixíssimo de enxofre na gasolina (10 partes por milhão), teor de benzeno zero (não é uma exigência do regulamento, mas uma decisão da Petrobras devido a toxicidade desse componente).

Até que ponto a qualidade do combustível pode decidir o resultado de um GP?

RG – A cada novo combustível busca-se pelo menos 0,5% de aumento de potência e isso significa mais de 4 HP de ganhos. Esse valor proporciona décimos de segundo valiosíssimos numa classificação e também na corrida.

Fala-se que o combustível precisa se adequar às novas regras e às especificações da FIA…

RG – A cada nova temporada da F-1, a FIA impõe várias modificações no regulamento para aumentar a segurança, melhorar a competitividade, reduzir custos e também desenvolver produtos que possam vir a ser utilizados pelo consumidor em geral. Nesse contexto entra a gasolina. Até 2003, o regulamento da gasolina da F-1 era semelhante ao regulamento da gasolina a ser adotada a partir de 2005 na Europa. Já para 2004, tornou-se ainda mais rígida, reduzindo o teor de enxofre de 50 para 10ppm.

O que significa chegar ao 100º GP ao lado de uma equipe como a Williams?

RG – Significa dizer que temos uma gasolina campeã do mundo. Nós, brasileiros, podemos nos orgulhar de brilharmos na F1 não só com pilotos campeões do mundo, mas também com uma gasolina no alto do “pódium”.