“Fazer ajustes na mixagem é mesma coisa que no carro”: Boesel fala das pistas de corrida e de dança

Escrito por Pamella Daud

O paranaense Raul Boesel é uma das referências do automobilismo brasileiro. Começando sua carreira com 16 anos no kart, ele passou pela Stock Car, Fórmula Ford, Fórmula 3, Fórmula 1, Fórmula Indy e foi campeão de endurance sozinho pela Jaguar em 1987, sendo o terceiro brasileiro da história a sagrar-se campeão mundial de uma categoria chancelada pela FIA.

Em 2019, ele foi homenageado pela Federação Internacional de Automobilismo sendo imortalizado no Hall da Fama do Automobilismo junto com outros campeões de endurance.

Não bastasse uma carreira de sucesso, Boesel possui duas. Há 15 anos o ex-piloto trocou de faixa, deixando as pistas de corrida e voltando-se para as pistas de dança. Começou sua carreira como DJ e hoje coleciona apresentações ao redor do mundo, tornando-se referência nacional também nesta área. Conhecido por utilizar sons de carros de corrida em seus sets, Raul foi a atração principal do GP de Montreal de 2008 e já tocou em clubes de renome internacional como Sand’s Beach Club, EsVive Hotel e no Hotel da Pachá em Ibiza.

Conversamos com ele sobre sua carreira como piloto e sua trajetória como DJ, as similaridades entre elas (acreditem, elas existem),  e o auge atual da F1, onde deu opiniões bastante embasadas. Confira:

Sobre a sua carreira como piloto, se você pudesse escolher alguns momentos que você considera os mais especiais quais seriam?

A minha carreira teve vários momentos especiais. Desde a Fórmula Ford, desde a Stock Car, quando comecei no Brasil em 79. Na realidade antes disso, a minha primeira corrida foi na inauguração do Autódromo do Rio de Janeiro em 77, ai depois a minha primeira vitória foi em Brands Hatch na Inglaterra, na Fórmula Ford em 1980, depois um teste na mclaren no ano que eu fui para a Fórmula 1 e, claro, vencer o Campeonato Mundial de Protótipos pilotando pela Jaguar em 1987.

Dois anos difíceis na Fórmula 1 em 82 e 83, depois quando eu fui para a Fórmula Indy também, foram três largadas na primeira fila em Indianápolis, a corrida de 93 lá também foi muito especial, além do segundo lugar nas 24h de Le Mans em 81, a vitória nas 24h de Daytona em 88. Então tiveram vários momentos nesses trinta e poucos anos de carreira.

DJ não foi sua primeira profissão, com uma carreira de sucesso no automobilismo sendo campeão de Endurance, passando pela F1, Indy, Stock Car e várias outras categorias. O que te fez querer passar das pistas dos circuitos para as de dança?

Desde a minha juventude eu sempre gostei de música. Eu gravava as minhas próprias fitas cassetes na época. Então, não tinha mixer, não tinha nada. Você tinha que acabar uma música e já colocar a outra e às vezes não dava o tempo certo, então você tinha que cortar fita, mudar, para parecer uma mixagem instantânea. E isso foi desenvolvendo se tornando uma paixão paralela à minha carreira de piloto. Sempre comprando música e escutando, naquela época ainda era tempo de Disco, de música Pop. Depois começou a música eletrônica, eu fui acompanhando e cada vez me apaixonando mais. Sempre acompanhando o desenvolvimento da música eletrônica e sempre escutando quando fazia ginástica, quando viajava, enfim, sempre foi, assim como disse, uma paixão paralela à minha carreira de piloto.

Aí no dia em que eu comecei a pensar mais em música do que carro de corrida, achei que era um sinal de que estava na hora de eu parar de correr e aí comecei a ter mais tempo para me dedicar à música. Comecei a ir em festivais, fui para Ibiza onde me senti na Disney World da música eletrônica para quem gosta, é claro, a Disney World de adultos. Depois disso, resolvi aprender a tocar, até para pensar no que iria fazer depois de 30 anos de carreira como piloto.

Aí foi o começo de tudo, peguei um professor, o Fábio Castro, que teve a paciência de me ensinar o ‘bê-a-bá’, eu não sabia nada, né. Nunca toquei nenhum instrumento. Passei praticamente oito meses trancado dentro de casa, comprei o equipamento. Até, quem me vendeu [o equipamento] foi o Carlos Dall’anesio e foi ele quem me apresentou o Fábio. Fui pegando gosto e aí realmente eu comecei a levar o negócio a sério.

Em 2013, seu single  “First Lap Rocking” com Marcelo Nassi foi lançado. Como foi o processo de produção e a inspiração da track?

A “First Lap Rocking” surgiu das 500 milhas de Indianápolis de 93. Na corrida eu larguei na primeira fila e passei a primeira volta liderando, pegamos o vocal do narrador da corrida falando “Raul Boesel leads the first lap of the indy 500” [tradução: Raul Boesel lidera a primeira volta da Indy 500] e a música tem esse fundo como vocal e aí depois a gente [Raul e Marcelo Nassi] foi fazendo a batida e essa foi a ideia.

Hoje em dia é comum vermos vários pilotos escutando música antes das corridas. Você tinha algum ritual parecido? Alguma música preferida pré-corrida ou para treino?

Você tem razão hoje em dia é comum você ver pilotos escutando música. Naquela época era mais difícil, até pelo equipamento né, você tinha que ter um fone, não tem esses fones pequenos como hoje. Não tinha equipamento para você usar, então era mais rústico, era mais difícil, então, sinceramente eu não peguei esse ritual para me concentrar.

Você tinha algum ritual antes de entrar no carro? Alguma superstição? Se sim, ela foi a mesma em todas as categorias que você competiu?

Meu ritual sempre foi entrar no carro com o pé direito. O que era fácil nos fórmulas. Já no Jaguar era mais difícil, já que precisava entrar pelo lado esquerdo, então sempre colocava primeiro a mão direita no volante.

Qual seria a trilha sonora da sua carreira como piloto?

Uma trilha sonora? Deixa eu pensar, acho que “We are the Champions”, do Queen, casaria bem né, o que você acha?

Você tocou no GP de Montreal de F1, como foi revisitar o circuito com outra função?

Foi interessante voltar para Montreal, assistir a corrida e ao mesmo tempo trabalhar em outra função, mas envolvida à corrida, né. É bacana que muita gente me conhecia dos tempos das corridas de F1 e aí foram até me assistir por causa disso. Muita gente surpresa e achando bem bacana essa troca. Curiosa, mas achando legal.

Quando pensamos em piloto e DJ, parecem profissões extremamente diferentes. Tendo atuado nas duas, você enxerga paralelos entre elas?

Sim, tem algumas particularidades entre as duas carreiras de piloto e DJ. Primeiro, que no fundo das duas existem competição: você sempre quer fazer um ótimo set comparado com outros DJs que tão na noite ou mesmo você tem que ser reconhecido para continuar tendo trabalhos, então de uma certa maneira isso é uma competição. A outra coisa é quando você faz uma mixagem perfeita é a mesma coisa que você fazer uma curva perfeita, você tenta no limite da mixagem e no limite da velocidade da curva ou você ter que fazer alguns ajustes na mixagem é a mesma coisa que você fazer uns ajustes no carro. A grosso modo essas são algumas particularidades que podem ser comparadas.

Atualmente, estamos vivendo uma época na qual a Fórmula 1 tem ganhado mais popularidade ainda, com uma grande presença das equipes nas redes sociais e seriados como Drive To Survive. Como você enxerga essa nova era do esporte?

Sim, com certeza a F1 está tendo mais popularidade hoje em dia até pelos meios de comunicação e do desenvolvimento da parte de relações públicas das equipes e, enfim, cresceu muito. Hoje tem muita festa né envolvendo a F1, vamos dizer antes das corridas, depois e durante. E isso é uma oportunidade também para confraternização entre música eletrônica, DJs, pilotos e o evento da F1. É muito bacana ver essa integração assim, fica tudo mais alegre.